Cheatin' (Bill Plympton, 2013)
Bill Plympton chega a Portugal, em alturas da MONSTRA, para apresentar o seu último trabalho, “Revengeance”, para além de dirigir uma masterclass direcionada a todos aqueles cuja animação é uma arte a ser seguida. Um dos animadores independentes de maior renome dos EUA conversou sobre o futuro da animação, das diferentes perspectivas e das dificuldades de vingar neste meio fora dos grandes estúdios do género e do seu envolvimento no “The Prophet”. Contudo, ainda teve tempo para falar-nos sobre Kanye West!
Já esteve presente na edição de 2010 da Monstra. Este é o segundo ano que vem a Lisboa em alturas do Festival, certo? Como é regressar à capital portuguesa?
Para ser honesto, Lisboa é uma das minhas cidades preferidas. No dia de folga, fui para a praia, comi peixe num restaurante mesmo encostado ao mar. Excelente vinho, um ótimo sol, boa arquitetura, pessoas simpáticas, isto é um paraíso. Por isso desejei voltar.
Sendo independente, como consegue financiamento e produzir os seus filmes? Sabemos também que recorre várias vezes ao Kickstarter.
Já tinha usado o Kickstarter antes, na restauração do clássico “The Flying House”, a curta-metragem de Windsor McCay. Pedíamos 10 mil dólares e conseguimos 19 por ele. Sim, fiquei feliz. No caso de “Cheatin”, comecei por pedir 75 mil dólares e alcancei os 100 mil, foi de loucos, o que é bom. Por isso, devo dizer que amo o Kickstarter.
Enquanto para “Revengeance”, o meu novo filme, o qual vou mostrar alguns clipes no festival, começámos com os 80 mil, e chegamos aos 90. Sendo uma excelente maneira de evitar uma ida a Los Angeles para fazer Pitching Sessions com executivos de Hollywood.
Primeiro, porque não sou um grande nome. Ninguém sabe quem eu sou. Segundo, eu não tenho um grande estúdio. Terceiro, os meus filmes não são animados por computador como os que são direcionados a crianças. Eles são bastante adultos, independentes e penso que eles não vão “dar-me” dinheiro Por isso é bem melhor eu dirigir-me aos meus fãs, pessoas que realmente gostam do meu trabalho. Como tal, o Kickstarter é importante no desenvolvimento dos meus projetos.
Não sei se sabem muito sobre Kickstarter, mas esta plataforma não se resume a somente filmes ou animações, serve também para jogos, restaurantes, músicos, teatros, dança, bem como todas as artes. É por acaso um óptimo recurso para diferentes artistas criarem algo único.
E como consegue distribuí-los?
Esse é o problema. Nos EUA é muito difícil, simplesmente porque os americanos com tanta Disney e Pixar julgam que a animação é apenas restringida a crianças. Isso incomoda-me visto que na Europa tal não é um problema. Eles aceitam animações para graúdos. No Japão a mesma situação, aliás, eles possuem uma mente aberta em relação ao que a animação poderá ser. Mas por exemplo, quando terminei “Cheatin” mostrei a um dos meus amigos, que é distribuidor, a julgar que eventualmente poderia gostar de distribuí-lo. Ele olhou para mim e disse: “Sabes Bill, existe nudez no teu filme”, assustador (ironia), o que é de doidos até porque existe bastante nudez em quase metade dos filmes de Hollywood.
Não entendo o porquê de não existir nudez na animação. Porque esta tem que ser uma “arte para crianças”? É um problema que eu tenho com os EUA, tornando-se prejudicial para a distribuição dos meus filmes. No entretanto, distribuo-os através dos meus próprios meios: pela internet, DVDs. Acabo por fazer algum dinheiro, mas nada que me torne rico como os distribuidores de outros tipos de filmes. Isso acaba por ser um problema!
Então para si, a animação é mais que um divertimento para crianças. É isso?
Absolutamente. Sabes, quando era criança adorava animações, desde Bugs Bunny até ao Daffy Duck, passando pelo Roadrunner, mas quando cheguei à fase adulta desejava ver ideias maduras, ideias que refletissem aquilo que eu pensava, a minha imaginação, e ninguém o fazia. E pelos vistos era impossível alguém o fazer. Penso que os EUA estão 50 anos atrás da Europa em termos de aceitar ideias diferentes no setor da animação. Eu espero que mude e que possa contribuir para essa mudança. Espero que chegue o dia em que os EUA aceite por fim essas novas visões na animação.
Você começou a sua carreira como cartoonista?
Sim, ilustrador.
De que maneira é que isso influenciou o seu trabalho?
Muito. Em primeiro lugar no humor. Eu fiz demasiados “cartoons” para revistas adultas; Hustle por exemplo, quase todos com conteúdo sexual, até porque é isso que motiva dinheiro. Como também fui ilustrador para artigos de revistas, e como tal eu adoro a técnica, a anatomia, adoro criar formas, uma “coisa” rara no cinema de animação independente, visto que existem muitas pessoas com excelentes ideias mas sem talento para o desenho. Como podem ver, eu adoro desenhar, adoro fazer mãos, faces, distorções, penso que isso é o ki do meu sucesso.
O que pode dizer sobre “Revengeance”, o seu novo filme.
Eu não escrevi a história. Foi escrita por um sujeito chamado Jim Lujan. Ele chegou a mim através de uma conferência que eu dei na Comic-Con e tornamo-nos grandes amigos. Divertimo-nos imenso e coisas do género. Ele deu-me uns DVDs para que eu pudesse ver o seu trabalho, aliás, eu recebo imensos quando vou à Comic-Con.
Três anos depois, num dia chuvoso em Nova Iorque, estava aborrecido e peguei num dos seus DVDs e vi. Foi fantástica a maneira como as suas personagens tinham uma noção de humor bastante idêntica à minha, assim como as minhas narrativas. Ele fez as vozes, o que é ótimo, visto que sabe fazer boas vozes, música, escrever as suas próprias histórias, mas mesmo assim pensei que ele precisava de ajuda. Porque os desenhos que ele fez eram péssimos. Bastante crus, aliás. Como tinha tempo e talento para fazer a animação, virei-me para ele e disse: "Tu escreves a história e se eu gostar, animo-a”.
Três meses depois, ele entrega-me o argumento e foi realmente algo divertido, muito bom, com diálogos sólidos, personagens com uma psicologia bem definida, ao jeito do film noir com toques de Tarantino western. Quase como um pulp fiction. Há dois anos para cá, comecei a desenhar, mas tive que interromper, julgo que comecei a trabalhar no “The Prophet”, em alguns anúncios, e mais alguns projetos para que pudesse fazer dinheiro. A boa notícia é que terminei ontem, fiz o último desenho de “Revengeance”.
E quantos desenhos tem o filme?
Cerca de 20 a 30 mil. Algo parecido. Mas foi feito de uma maneira bastante peculiar, foi desenhado com “sharpie pen”, que é diferente do lápis, o qual se podia apagar. Dá um look diferente, e até bastante rápido com isto. As personagens tornam-se bastante simples, quase primitivas, quase como "childlike”, muito ingénuas. É um estilo diferente e único. Mas penso que as pessoas vão gostar, é bastante diferente do meu estilo.
Nos anos 60, você enviou desenhos para a Disney mas acabou por ser recusado. Se atualmente o convidassem para integrar a equipa, aceitaria?
Dependia do negócio. Eu sinto inveja com o tipo de distribuição que eles têm, o tipo de marketing, a promoção, e a reunião de grandes talentos a cooperar para fazer um grande projeto.
The Prophet (Roger Allers, 2014)
Mas já chegou a ser convidado pela Disney, certo?
Sim, já o fizeram, mas apenas como animador. De momento gostaria de trabalhar como argumentista, realizador ou até mesmo ter envolvimento com a produção e história do filme. Mas julgo que eles têm medo de mim, sentem-se repugnados pela quantidade de sexo e violência, pelo surrealismo. É tipo: ”ele é um psicopata”. Mas na realidade sou muito normal, muito do tipo pacífico. Eu somente deposito toda a minha loucura nos meus filmes. Frisando. Sim, gostava que um dia a Disney, ou até a Pixar, trabalhassem num filme meu. Talvez no futuro, quem sabe.
No seu top 10 da Criterion, você menciona o filme “Brazil", de Terry Gilliam. Por norma, os críticos encontram influências desse cinema no teu trabalho. Concorda que existe realmente influência de Gilliam em si?
Bem, acho que todos os Monty Pythons tiveram influência no meu trabalho. Aquele humor surrealista, “deadpan” (performances de expressões vagas). Eu adoro esse tipo de humor. Aliás, tenho um filme, “Push Comes to Shove”, que é bastante “deadpan“, com personagens a fazer coisas estranhas com as suas cabeças, mas mesmo assim indiferentes a esse absurdismo. É por isso que os Monty Python são uma grande influência para mim, não somente Terry Gilliam.
Mas já conheceu Terry Gilliam?
Terry sempre foi um bom amigo. Conheci-o … julgo eu … na estreia de um dos seus filmes em Nova Iorque e convidaram-me à sessão e à festa, apresentei-me e tornamo-nos amigos desde então.
Nós tínhamos muitos amigos em comum, por isso telefonei-lhe e perguntei-lhe se queria produzir o filme “Idiots and Angels”. Ele disse que sim, que adorava, não perguntou por nenhum dinheiro, simplesmente “usa o meu nome da maneira que quiseres”. Sim, ele foi muito prestável. Aliás, ele adora apoiar outros artistas.
Mas essa perspetiva de animação adulta está aos poucos a mudar nos EUA. Basta ver a nomeação de “Anomalisa” aos Óscares.
Eu vi “Anomalisa”. Pena que não gostei tanto assim. Achei um filme único, bem especial até, mas para mim o problema foi ser demasiado lento. Eu, por outro lado, gosto de filmes mais visuais e entusiasmantes nesse sentido, mais surrealistas, coisas desse género. Mas fiquei bastante agradado pela sua nomeação ao Óscar, e por toda aquela publicidade que me fez inveja. Julgo que os meus filmes são tão divertidos como o dele, mas … hey… é Charlie Kaufman, por isso “devemos” dar-lhe imensa publicidade.
Mas é da opinião que os tempos estão a mudar para o setor da animação, incluindo mais diversidade?
Penso que vivemos tempos fantásticos no setor animado. Aliás, eu tenho vários estudantes nas minhas masterclasses. O futuro é brilhante para todos que gostam de animação e que tenham talento. Existem atualmente muitos estúdios a produzirem filmes e não só nos EUA, China, Japão, França, Espanha e Portugal. É uma excelente oportunidade para procurar trabalho, procurar sucesso.
Mas agora, eles trabalham para estúdios, como também são independentes, e isso é o que eu faço. Eles podem estar em casa com o seu iMac a fazerem grandes filmes, a partir somente da sua imaginação e isso é uma excelente oportunidade. Uma oportunidade que eu não tinha quando era jovem. Sempre julguei que era preciso ter “montes” de dinheiro, uma grande câmara, filmes da Kodak, grandes processos de filmagem, algo bastante difícil. Por isso, sim, são ótimos os tempos que se vivem atualmente.
O que é costume os estudantes perguntarem nessas masterclasses?
Perguntam-me por trabalho (risos), pedem para mostrar os seus filmes, que os avalie, mas sinceramente não gosto de fazer isso, porque tenho medo de dizer “coisas” negativas. Por vezes vejo algo brilhante como Jim Lujan, mas na maior parte das vezes, eles precisam de desenhar melhor, tornarem-se melhores artistas. Por vezes o storytelling não é bom. São jovens, é natural, como tal tenho medo de criticar demasiado o seu trabalho. Eles também perguntam questões como aquelas que vocês [jornalistas] costumam perguntar-me: “se tivesse uma oportunidade de trabalhar com a Disney, Pixar, ou qualquer outro”.
Idiots and Angels (Bill Plympton, 2008)
Como foi trabalhar no filme “The Prophet” (“O Profeta”)?
Há cinco anos atrás, vieram-me perguntar se não queria “ilustrar” um dos segmentos animados do filme. Aliás, fui um dos primeiros a quem propuseram tal proposta. Um dos produtores dirigiu-se a mim e disse algo que nunca mais voltaria a ouvir: “nós temos muito dinheiro, tanto dinheiro que não sabemos o que fazer com ele” (risos). Porque havia muita gente do Médio Oriente que se encontrava interessado no projeto, e isto foi antes de Salma Hayek estar envolvida. Eles andavam atrás de animadores, tentaram arranjar um realizador e foi então que surgiu Salma Hayek.
Depois seguiram-se três anos, nos quais não ouvi mais nada sobre o filme. Nesse período não me contactaram, mas depois deram-me a notícia: “bem, temos tudo preparado, Roger Allen está na direção e a Hayek está na produção”. E eu proclamei que queria fazer o segmento do “Prazer”, e automaticamente responderam: “não, tu vais não fazer o Prazer, coisa nenhuma”. O que foi mau, porque eu sou fã do prazer. Eles queriam que eu fizesse o capítulo “Comida e Bebida”, e sim, aceitei. Então fiz um storyboard, algo que eu julgava ser divertido, tendo como referência o livro e a personagem de Mustafá. Eles não gostaram, argumentaram que era demasiado divertido e estranho, então pediram para basear-me palavra a palavra do livro.
Não me importei e fiz a vontade. O resultado ficou bom. Muito expressionista, aliás. No ano passado, a Salma Hayek convidou-me para ir a Cannes para a antestreia do filme. Foi uma ótima experiência, numa festa bastante hollywoodesca que se seguiu ao visionamento.
Já conta com duas nomeações para os Óscares, de que forma isso mudou a sua carreira?
Sim, sim, fui nomeado outra vez, o que foi bastante divertido. Aliás, com uma nomeação pode-se fazer qualquer coisa. Todos querem-te conhecer, dialogar contigo, trabalhar contigo. E eles tem uma coisa chamada “Gifting Suite”, conhecem?
Sim.
É de loucos! Foi no Beverly-Hilton Hotel, situando-se nos três últimos andares do hotel, com muitas salas. Aí, tu chegas lá e dizes que estás nomeado ao Óscar. Obviamente mostras o cartão como comprovativo, entras nessas salas e levas tudo o que quiseres; roupas, casacos, sapatos, óculos, ipads, ipods, tudo o que quiseres. Basta apenas tirar. Porque o que eles querem é que tu uses isso na cerimónia. Tudo porque somente estás nomeado para o Óscar, é de loucos. A minha companheira, que era a minha produtora, obteve um colar de diamantes só para usar. São tempos loucos, que gostaria de reviver.
Fez um vídeo musical para Kanye West, pode-nos contar como foi essa experiência?
Ele cresceu em Chicago, e a mãe levava-lhe a essas compilações de curtas animadas. Curiosamente, ele lembrava-se dos meus filmes. Kanye gostava do meu trabalho. O que aconteceu é que o realizador francês Michel Gondry fez-lhe um vídeo, mas ele detestou, achou aquilo terrível. Por isso telefonou-me a meio da noite: “É Bill Plympton?” “Sim” “Daqui é Kanye West, e preciso de um vídeo musical”.
Só tinha uma semana para o fazer, por isso tinha que ser rápido, mas precisava de dinheiro e sabia quem era o Kanye West. Por isso aceitei. Tive que trabalhar bastante e até tarde, mas no final foi um sucesso. Teve estreia num grande programa da MTV. Mas o engraçado é que ele pagou-me com dinheiro do seu bolso, o que foi bom. Eu gosto do Kanye, ele veio para o meu estúdio, eu desenhava e ele olhava através do meu ombro e dizia coisas como: “eu sou mais bonito que isso, faz-me melhor”. Esse é Kanye West, é um génio, conhece música, arte e é bastante visual. Eu conheço pessoas que têm problemas com ele, mas ele foi simpático comigo, por isso …