Lenda é facto. Facto é lenda.
"This is the West, sir. When the legend becomes fact, print the legend"
The Man Who Shot Liberty Valance (John Ford, 1962)
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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
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Facilmente pode-se supor The Hateful Eight como uma [espécie] de sequela não oficial de Django Unchained (2012), mas este cold western está mais próximo da primeira longa-metragem de Tarantino - Reservoir Dogs - do que propriamente da vingança esclavagista sob toques de Sergio Leone. Todo o conceito de filme de cerco é novamente praticado através de um registo de oito personagens, todos eles odiosos, de difícil empatia para com o espectador, que confrontam os seus destino, acidentalmente ou não, cruzados.
Uma teia de ilusões, desenganos e duplicidades, desvendada após o arranque dos primeiros acordes de Ennio Morricone, o seu primeiro western composto num hiato de 40 anos, tendo como resultado um novamente "tarantinesco" da pior espécie (alusivo à forma detestável que as personagens emanam), um recheado de referências e marcos cinematográficos que se compõem numa inteira pauta musical e que tocam expelindo uma só sinfonia. Essa sintonia é sangrenta, é certo, mas é com uma oitava obra que Tarantino incute o possível filme mais político da sua carreira (cada personagem corresponde a um ideal político e partidário). Ouve-se falar de um statement autoral ao estado político-social dos EUA após o fim da Guerra Civil, uma nação que se reconstrói mas cujas cicatrizes ainda estão longe de serem saradas. Neste aspeto é possível encarar a ligação com o referido Django Unchained, o western que ao contrário deste The Hateful Eight decorre antes da dito conflito interno “estadunidense”.
O curioso é que Tarantino não acode por ninguém, todos os seus "peões" merecem obviamente a morte, e das mais violentas possíveis, e visto estarmos a falar de um realizador diversas vezes acusado de glorificar a violência, esse destino trágico em cada uma destas figuras é digna de nota, aliás, indiciados por um imprevisível reacionarismo. Voltando ao ponto anterior, mais acusações surgirão, até porque o nosso cineasta é um severo juiz, um pouco como Minos da Divina Comédia de Dante, não reconhecendo partidos, ideais, raças nem sexo, tudo é julgado sobre os mesmos parâmetros e igualdades.
As acusações a serem suscitadas são as mais óbvias - misoginia - em consequência de um mundo politicamente correto e demasiado sensível criado pela globalização ardente das redes sociais. Mas até essa suposta misoginia é merecida, até porque Jennifer Jason Leigh desempenha uma personagem tão ou mais odiável que tudo o resto, funcionando também como um importante macguffin enviesado num eventual whoddunit (quase como um conto de Agatha Christie) que fermenta aos poucos nesta intriga, que o próprio cita, carpenteriana.
Tarantino já havia referido que The Thing estava na lista das mais evidentes influências, mas por sua vez é Sam Peckinpah (muita da inicial fonte inspiradora de Carpenter) que serve de carimbo no cenário. Mas nem tudo é deixado por acaso, Kurt Russel no elenco é a prova viva dessas mesmas requisitadas referências, o ator vive situações paralelas daquelas que viveu há 33 anos com o magnifico filme de John Carpenter, um easter egg que o próprio Tarantino proporcionou.
Mas o grande "presente" de The Hateful Eight encontra-se na perceção e na construção dos diálogos, monólogos, e tudo o resto, ou seja o nosso cineasta demonstra mais uma vez que é um exímio guionista e sob esses propósitos somos confrontos com outra sua faceta, o de diretor de atores, e que bem é em assumir tal papel. O resultado disso é mais que visível, um dos melhores desempenhos de Samuel L. Jackson dos últimos anos, visto ser um ator cada vez mais em uso e em plena direção de um claro esgotamento de imagem, e uma imperdível Jennifer Jason Leigh, a ser recuperada por vias de um "Tarantino style", parece que em conjunto com Anomalisa, este 2015 foi um ano de ressurreição para uma atriz esquecida na própria indústria que a acolheu.
Novamente, Quentin Tarantino demonstra razões suficientes pelo qual é declarado um dos mais talentosos do seu ramo a operar atualmente. O resultado é uma pintura barroca pincelada ao seu próprio jeito e melhor … mesmo sob lúdicos momentos assumidamente tarantinescos (aquele fascínio quase visceral e pueril pelo Cinema) … The Hateful Eight é até à data o seu trabalho mais maduro. Um autêntico tour de force!
"Bringing desperate men in alive, is a good way to get yourself dead."
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