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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Jacques Rivette e Jane Birkin na rodagem de "L'Amour par Terre" (1987)
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Fabian Groys (Florian David Fitz) é um promissor jornalista de uma revista política bastante influente na Alemanha. O seu último trabalho consiste em investigar um suposto escândalo que envolve as Forças Armadas e a forma como lidam com militares incapacitados. O chefe de Groys tenta impingir-lhe uma assistente para que possam formar uma equipa, mas egocêntrico como é, Groys faz de tudo para se livrar dela. Como tal, envia-a no trilho de uma notícia que o próprio considera insignificante. Sem saber, essa mesma reportagem, banal e sem interesse, tem ligações ao caso das Forças Armadas que investiga, sendo aos poucos desvendada uma complexa teia de conspirações, propícia a um artigo jornalístico de exceção.
“As Mentiras dos Vencedores” (“Die Lügen der Sieger”/”The Lies of the Victors”) possui uma temática pertinente e bem atual que merece um prolongado debate após o seu visionamento. Tratando-se da enésima obra a reafirmar o papel crucial dos Media na opinião pública (o chamado estatuto de Quarto Poder), e das fragilidades deles perante a manipulação dos lobbies, o novo filme de Christoph Hochhäusler reflete na célebre frase do poeta Lawrence Ferlinghetti (“A História é feita com as mentiras dos vencedores“) um trabalho de pesquisa ocasionalmente frontal. Esta mesma frontalidade, que embate das Forças Armadas Alemãs como principal alvo, limita toda a crítica social, até aqui construída apenas como uma “análise interna”.
Mas vamos por partes, a condução do tema, seja de que natureza for, deve sim, possuir a emergência do nosso olhar. Porém, e como thriller, este “As Mentiras dos Vencedores" não sabe transpor na narrativa uma forma de atacar o seu alvo. Nessa narrativa, vincada na senda de outros filmes provocantes como “All the President's Men” e até mesmo o recente “Spotlight”, Hochhäusler demonstra uma incapacidade em impor a sua voz de revolta, o que é sublinhado na (falta de) motivação das personagens, como se a sua construção fosse demasiado encarecida de maniqueismos pueris ou de moralidades subjacentes (a evidenciar na forma como o protagonista é caracterizada; um arrogante misógino com vício no jogo).
Ainda na sua natureza de thriller, é interessante ver os códigos “hitchcockianos” que o realizador constantemente cita, entre os quais um clima de mistério nas tensas sequências, mais do que uma preocupação na concepção do próprio twist. Aliás, a dispensa dessa reviravolta evidencia a forma como este thriller é conduzido, nunca se assumindo no território do subgénero, mas sim usando esses elementos na sua noção crítica. E é nessa crítica que Hochhäusler interessa-se plenamente, nem que para isso prejudique a narrativa. Um dos casos mais flagrantes é a seleção de sequências desfragmentadas com a imprecisão do raccord, um exercício que nos indica o quão interessado está o autor no tema, mais do que propriamente no filme.
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A crise económica de 2008, a maior desde a Grande Depressão, foi gerada graças a um efeito dominó causado por um “sistema baseado em fraudes e estupidez“, citando as palavras da personagem de Steve Carell, aquele que se apresenta como um dos “verdadeiros” sobreviventes deste cenário de apocalipse financeiro.
“The Big Short”, traduzido com o pouco imaginativo título “A Queda de Wall Street”, funciona como um “Night of Living Dead” deste atentado bolsista, caso queiramos resumir todo este episódio histórico e aludi-lo à famosa trilogia de George A. Romero, onde um grupo de quatro “cavaleiros do armagedão” profetizam uma tremenda exposição às verdadeiras fragilidades da economia norte-americana. O resto, a concretização dessa premonição, é o caos propriamente dito, um cenário que está no conhecimento de todos, até mesmo fora do território dos EUA onde as “réplicas” foram e continuam a ser sentidas.
Pois bem, eis um retrato que nada adianta sobre esse capítulo negro do capitalismo, mas que também contra o qual não podemos fazer objecções, desde que não se cometa o erro de tornar estes protagonistas em heróis desarmados ou vitimas martirológicas. Neste caso, o novo filme de Adam McKay, o mais “sério” da sua carreira, não é nenhum ataque aos direitos civis nem o branqueamento de uma devastadora tragédia.
Trata-se sim, de um filme erguido com um tremendo sarcasmo, refletido na personagem de Ryan Gosling, que tenta ser o “smartest guy in the room“, o grilo da consciência que constantemente nos adverte quanto à hipocrisia deste jogo de monopólio. As suas aulas de etiqueta são pontuadas por sequências que exploram a permanente superfluidade, como o impagável momento em que o espectador conhece o significado dos subprimes lecionado por uma Margot Robbie que simultaneamente desfruta de um banho de espuma e um copo de champanhe. O aviso para a navegação é que muita desta linguagem técnica é complicadíssima de entender e é um método linguístico, uma espécie de dialeto inventado, para afastar os “meros mortais” destes prestigiantes residentes de Wall Street.
Como dá para perceber, “A Queda de Wall Street” é sempre cínico durante o percurso a esta catástrofe financeira, recorrendo a personagens que não saem da caricatura e situações que não ousam ser mais que esquematizações. Evidencia-se um efeito Titanic, onde os protagonistas tudo fazem para ter acesso ao seu “bote salva-vidas” e cuja calamidade é já um ato esperado desde o início dessa fita. É surpreendente a forma como McKay, detentor de algumas das comédias norte-americanas mais inteligentes dos últimos anos (“Anchorman: The Legend of Ron Burgundy”, “Talladega Nights: The Ballad of Ricky Bobby”), como também das mais “idiotas” (“Step Brothers”, “The Other Guys”), anseia sobretudo ser levado a sério na indústria cinematográfica. Aqui, o realizador emana um registo cómico-dramático propício à crítica, sendo esse o seu melhor trunfo nesta arriscada aposta.
Contudo, não consegue de maneira alguma, largar as raízes da comédia e ainda mais às suas tendências televisivas, notando-se numa realização que aspira a um realismo formatado, mas que ao invés funciona como um falso-documentário forçado ao estilo de “The Office” … E não, essa comparação não é pelo simples facto de possuir Steve Carell novamente como epicentro da intriga.
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Luke Shapiro: "Do me a favor, Steph?"
Stephanie: "Huh?"
Luke Shapiro: "Don't say nothin, ok? Just stand there til I leave. I wanna remember this. I've never done it before."
Stephanie: "Never done what?"
Luke Shapiro: "Had my heart broken."
The Wackness (Jonathan Levine, 2008)
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"They know I can't move a finger, and I won't. I'll just sit here and be quiet, just in case they do... suspect me. They're probably watching me. Well, let them. Let them see what kind of a person I am. I'm not even going to swat that fly. I hope they are watching... they'll see. They'll see and they'll know, and they'll say, "Why, she wouldn't even harm a fly..."
- Anthony Perkins (Psycho, 1960) Alfred Hitchcock
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Sophia Loren e Vittorio De Sica em "The Millionairess" (Anthony Asquith, 1960)
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