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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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O derradeiro caso de Sherlock Holmes

Hugo Gomes, 29.07.15

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Setenta atores depois, chegou a vez de Ian McKellen vestir a pele do famoso detetive vitoriano, Sherlock Holmes, naquela que poderá ser a aparição mais humanista da personagem surgida na sétima arte. Em “Mr. Holmes” somos logo induzidos a uma transição, onde a Londres reconhecida, o biótipo das aventuras do homónimo detetive e do seu parceiro Watson, é substituída por uma casa de campo em Sussex. Este é um pequeno “paraíso” rodeado por colmeais, essa paixão oculta do protagonista que transcreve-se como os novos mistérios dignos de serem resolvidos. Mas, mesmo assim, algo perturba o agora nonagenário Holmes – o enigma que esconde, por detrás da sua genialidade que se dissipa a olhos vistos, a obsessão por um caso não resolvido há mais 50 anos e que fora o seu último trabalho enquanto detetive.

Adaptado de um livro de Mitch Cullin, “Mr. Holmes” marca o regresso à competência de Bill Condon em humanizar as suas personagens, isto depois dos fracassados ensaios na saga “Twilight” e no sofrível “The Fifth Estate”. É um Condon dos tempos de “Gods and Monsters” onde, curiosamente, também havia trabalhado com McKellen num retrato simbólico de um génio “desconhecido”, o realizador de “Frankenstein, James Whale. A dupla tem agora outro alvo de desmistificação, aquele que é considerado um dos primeiros heróis da literatura do século XX, num trabalho que parecia seguir o mesmo registo de Billy Wilder no seu “Private Life of Sherlock Holmes”, de 1970, mas que revela-se uma extensa crónica sobre a velhice.

Todavia, é Ian McKellen que conduz o filme para outros patamares, instalando-se com uma versatilidade única e uma paixão não proclamada em trazer dignidade a um génio no seu leito de senilidade. Nota-se ainda a sua dualidade em trazer uma entidade comum em duas divergências temporais e realçando, por fim, a complexidade dessa figura lendária. Tendo em conta este empenho fabuloso de um Senhor que parece arranjar formas de sobreviver à avançada idade na indústria cinematográfica, é possível, se os Óscares fizerem justiça, de que uma nomeação à categoria de Melhor Ator poderá ser mais que certa.

Contudo, se é bem verdade que Bill Condon é um experiente diretor de atores, não está longe da mentira de que a sua focagem neste setor o torna vulnerável na exploração da intriga propriamente dita, sendo que “Mr. Holmes” possui a grande fragilidade de deter seres cativantes com que se concentrar, mas com uma narrativa demasiado formatada a instituir. Um prejuízo extenso à dicotomia de abelha / vespa, que diversa é vezes invocada, mas nunca devidamente explorada, compilados com abruptas paragens neste processo de desmitificação de uma lenda, dando lugar a um registo mais emocional de um dos maiores génios do nosso tempo.

E é pena, visto que em “Mr. Holmes” o debate sobre a natureza de Sherlock Holmes tenha sido acesa (debate, esse, se trata de uma personagem ficcional ou simplesmente real), onde Ian McKellen prova ter sido o homem perfeito para nos levar acreditar, de uma vez por todas, que a figura existe para lá da imaginação de Arthur Conan Doyle.

"I Am a Golden God" ... Cinematograficamente Falando ... cumpre 8 anos

Hugo Gomes, 25.07.15

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Almost Famous (Cameron Crowe, 2000)

E foram assim cumpridos oito anos, não de sentença, mas de longevidade do Cinematograficamente Falando … uma das "casas" onde deposito parte da minha paixão "cinéfila". Foram oito anos a falar de cinema, a frequentar festivais e a explorar os recantos mais obscuros da cinematografia, mas mais está para vir, a minha jornada não termina simplesmente aqui e isto não é uma carta de despedida. Mais anos aguardam a este estaminé e provavelmente maiores avanços e sofisticação nos seus conteúdos. Mas para ser sincero e deixando de parte o egocentrismo aqui evidenciado, a verdade é que esta data é antes demais uma forma de gratidão ao meu assíduo leitor, sem ele, toda esta longevidade seria em vão. Para todos vocês … um muito obrigado!

CONFORME SEJAM AS VOSSAS ESCOLHAS, BONS FILMES!

Uma comédia "à francesa" com hora marcada

Hugo Gomes, 22.07.15

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Some of the best writing in New York won't be found in books, or movies, or plays, but on the benches of Central Park. Read the benches and you understand

Uma comédia romântica nova-iorquina que se poderia figurar nos velhos costumes desse estilo tipicamente norte-americano, se não fosse o facto de este tentar, a todo o custo, não pertencer ao exacto leque. Não com isto, maioritariamente, insinuar que “5 to 7” é o novo "grito" do romance cómico, nem a redescoberta dos EUA aos códigos-referenciais da Nouvelle Vague do outro lado do Oceano, como o protagonista parece depositar como prova do seu estado de espírito. Não, trata-se de todos os casos de um, mas um exemplar remendado por diferentes tonalidades que nos fazem inspirar, cativar e até mesmo apaixonar pelo platónico dos amores.

Conduzido por uma simplicidade vestida de seda, fina e reluzente, o novo trabalho de Victor Levin leva-nos ao encontro, literalmente dito, de um jovem novelista e de uma requintada mulher francesa, casada e progenitora de dois "rebentos". Um adultério descrito sob uma isenção de pecado, aliás, esta relação é ritualizada como uma espécie de aventura swing, comprometida e regida sob um número de regras, entre elas a duração destes encontros amorosos, tal como o título sugere (e “apropriado” da tão famosa obra de Agnès Varda), perduram das 5 às 7 da tarde. O jovem e sempre talentoso Anton Yelchin preenche esse tratado ao lado da expressiva Bérénice Marlohe (que fora vista como uma das bond girls de “Skyfall”), e os dois completam-se numa ternura que parece evocar delicadeza para fora do ecrã.

A verdade é que Victor Levin soube criar uma química gestual no par, os seus rituais transcrevem como aspirações a alguns momentos dignos da vaga cinematográfica francesa e de alguns maneirismos destes adaptadas ao modelo quase citado por um Woody Allen. Poderia se afirmar que estamos perante no melhor de dois mundos, mas “Das 5 às 7” é demasiado modesto para isso, uma modéstia de certa forma exemplar comparativamente com os seus congéneres produtivos. Simpático e cinematograficamente romântico, a fita de Victor Levin só possui um problema que o condena desde o seu início, a vontade de seguir por uma análise à natureza das relações e constituir a analogia destas para com a sociedade ocidental, juras incumpridas que nos levam a um burlado choque cultural (onde os franceses são excessivamente vistos como espíritos livres e libertinos) e as cedências para a sua veia mais quixotesca, no teor romântico da palavra … é claro!

"Rebecca": um filme de Hitchcock ou de Selznick?

Hugo Gomes, 17.07.15

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Rebecca (Alfred Hitchcock, 1940)

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Gone with the Wind (Victor Fleming, 1939)

Apesar de oriundo da indústria britânica, Alfred Hitchcock era durante muito tempo um interessado observador do sistema de Hollywood e da sua respectiva manufacturação. A sua chegada ao Novo Mundo em 1939 (de forma a evitar a queda/inexistência de uma indústria inglesa) levou-o a embarcar num dos maiores desafios da sua vida profissional. Não a estreia num circuito cinematográfico, que não lhe era de todo estranho, mas a emancipação num processo de criação tão dependente por terceiros que era Hollywood. Como primeira ofensiva, Hitchcock decide adaptar o célebre livro de Daphne Du Maurier, “Rebecca”, e para tal recorre ao produtor David O. Selznick, que na altura encontrava-se a colher os frutos da promoção e sucesso de “Gone with the Wind” (“E Tudo o Vento Levou”). Hitchcock escreveu o argumento, mas foi automaticamente recusado pelo produtor. Contudo, isto não foi o fim e a colaboração continuou.

O chamado processo de colaboração entre os dois, foi de tudo menos harmonioso. O britânico, ansioso pela sua liberdade teria que se confrontar com um produtor possante e casmurro na sua execução. Se “E Tudo o Vento” Levou foi uma produção difícil, nada facilitada por Selznick, que segundo consta, pretendia controlar o mais ínfimo pormenor do filme (relembramos que as aventuras e desventuras de Scarlett O’Hara passaram por mais de sete realizadores e só um mereceu o seu nome creditado no espaço de “directed by“), já “Rebecca” foi um prolongado braço-de-ferro, quer pela dominância da rodagem, quer pela perpetuação de um estilo. O produtor era muito dado a adaptações de nutra fidelidade, à exposição de página para o frame e pelos diálogos extraídos na sua integralidade, por outro lado, Hitchcock aprendera a aperfeiçoar o efeito-sugestão, algo que havia adquirido dos seus “estudos” do expressionismo alemão e das primeiras passadas deste para o sonoro (“M”, de Fritz Lang, por exemplo, é uma das grandes influências do “mestre do suspense“).

Rebecca” consolidou esses dois mundos em plena confrontação. No campo de Hitchcock é visível, ou na melhor das hipóteses, invisível, um espectro que percorre todo o percurso matrimonial da protagonista, Mrs. Winter (Joan Fontaine), que se apercebe, gradualmente, de estar a integrar um lugar anteriormente ocupado pela mulher do título. A Rebecca assume-se como um fantasma, um mistério que por sua vez dissolve como uma capa ilusória, essa sugestão que poderíamos aproveitar das “garras” de Hitchcock (o relógio, o olhar suspeito e frio de Mrs. Danvers, o cão que tenta ir para “sabe-se lá onde“). Do outro lado, a sensibilidade feminina encontrada no cinema de Selznick, a evolução da sua protagonista, os embates psicológicos entre mulheres em terreno salobro, os “palacetes”, neste caso a mansão Manderley, a servir mais do que um cenário, uma personagem extraída da sua omnipresença (esta mansão iria mais tarde inspirar Orson Welles na concepção da sua Xanadu em “Citizen Kane”).

Estes dois mundos fecundam uma obra gótica, ingenuamente romântica e sob uma distorcida esquizofrenia moral. Se por um lado, existe aquela dualidade de estilo que cede a malabarismos autorais, a psicologia das personagens torna-se também num terreno fértil para essas disputas. É visível a moralidade de Hitchcock, a “culpa” como signo da sua filmografia, divinamente representada nos últimos momentos em que a governanta, Mrs. Danvers (Judith Anderson), reduz a cinzas o “assombrado” imóvel como um delirante acto de redenção com a sua não assumida culpa (uma sequência que faz paralelismo com o incêndio de Atlanta em “Gone with the Wind”).

Rebecca (Alfred Hictchcock, 1940)

Gone with the Wind (1939)

Contudo, do outro lado, a imoralidade que nos leva à ambiguidade da trama, neste caso o marido (Laurence Olivier), assombrado por esses mesmos fantasmas da culpa, no qual é lhe cedido a oportunidade do tremendo happy ending em letras garrafais. É de recordar que no anterior “Gone with the Wind”, Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) convertia-se numa das primeiras anti-heroínas do cinema clássico através de atos questionáveis que, contra a corrente, nos levavam a uma certa compaixão. O’Hara evitava os maneirismos e o evidente maniqueísmo moralizador da época através de uma exposição das suas motivações (“As God is my witness, as God is my witness they’re not going to lick me. I’m going to live through this and when it 's all over, I’ll never be hungry again. No, nor any of my folk. If I have to lie, steal, cheat or kill. As God is my witness, I’ll never be hungry again”). Em Rebecca, Laurence Olivier confessa o seu pecado, o involuntário crime que o atormentou, a partir dali o espectador sabe que a sua sentença é inevitável… O mesmo que acolhe pelo seu castigo, é o mesmo que deseja a sua absolvição, essa, conseguida através do mais repentino Deus Ex Machina, o save by the bell que nos guiará à autodestruição do culpado seguinte. E assim, chegamos a um outro “carrasco”, Hitchcock, na sequência anteriormente referida.

Rebecca” foi assim um sucesso imediato, e galardoado com dois Óscares da Academia, incluindo o de Melhor Filme (o segundo ano consecutivo para David O’ Selznick). Quanto a Hitchcock, ficou-se pela nomeação de Realizador (esse ano a estatueta seguiu para John Ford e o seu “Grapes of Wrath”). Hitchcock iria ser nomeado por mais quatro vezes sem resultados satisfatórios. Mas para o britânico, Rebecca é a vitória tremenda de um “estrangeiro” dando os primeiros passos em Hollywood, conseguindo vencer produtores megalómanos e tornando-se num nome relevante na indústria. Tornaria a colaborar com Selznick por mais duas vezes (“Spellbound” e “Paradine Case”), mais confiante e vinculado ao seu próprio estilo.

Até hoje, por mais legado que “Rebecca” esteja do seu nome, o filme orquestrou como um prova de ambição, a sua autoria esteve dividida por quatro mãos em constante conflito. Mas nada que evite a obra de ser o memorável labirinto gótico, aquela história de obsessão, medo, e de desconforto, vencido pela ingenuidade do seu amor. Numa Hollywood que acredita em romances, “Rebecca” era um dos seus grandes trunfos. 

Continua a ser o Discurso, o "D" Grande

Hugo Gomes, 05.07.15

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(...)To those who can hear me, I say, do not despair. The misery that is now upon us is but the passing of greed, the bitterness of men who fear the way of human progress. The hate of men will pass, and dictators die, and the power they took from the people will return to the people. And so long as men die, liberty will never perish. Soldiers! Don't give yourselves to brutes, men who despise you, enslave you; who regiment your lives, tell you what to do, what to think and what to feel! Who drill you, diet you, treat you like cattle, use you as cannon fodder. Don't give yourselves to these unnatural men - machine men with machine minds and machine hearts! You are not machines, you are not cattle, you are men! You have the love of humanity in your hearts! You don't hate! Only the unloved hate; the unloved and the unnatural. Soldiers! Don't fight for slavery! Fight for liberty! In the seventeenth chapter of St. Luke, it is written that the kingdom of God is within man, not one man nor a group of men, but in all men! In you! You, the people, have the power, the power to create machines, the power to create happiness! You, the people, have the power to make this life free and beautiful, to make this life a wonderful adventure. Then in the name of democracy, let us use that power. Let us all unite. Let us fight for a new world, a decent world that will give men a chance to work, that will give youth a future and old age a security. By the promise of these things, brutes have risen to power. (...)

  • Charlie Chaplin (“The Great Dictator”, 1940)

No Quarto da Vanda: antes da queda haviam quatros paredes ...

Hugo Gomes, 01.07.15

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Tudo começou na sua participação em Ossos (1997). A atriz Vanda Duarte sentiu-se desiludida com o resultado e propôs a Pedro Costa a um regresso ao bairro das Fontainhas (nos arredores da Amadora, periferia da capital), nesse momento em plena fase de demolição. Assim inicia o segundo capitulo da sua trilogia etnográfica, onde Costa filma toda uma comunidade na transição do seu próprio fim. Porém a decadência está à vista de todos, e a auto-destruição acelera em contagem decrescente.

O Quarto referido no titulo não é só o cenário onde metade deste registo filmado ocorre mas um "não-lugar" acentuado em todo o bairro, um micro-biótopo étnico compactado na câmara do cineasta. Vanda Duarte é assim a anfitriã desta dissipação, desta incógnita cénica e do seu estado inerente. No Quarto da Vanda, eis a primeira etnoficção de Pedro Costa, um estado avançado da docuficcção que renega o seu lado ficcional e a transforma na sua realidade, a encenação capturada pela dita câmara é o seu mundo descrito por um realismo longe do formalismo, e muito menos do pastiche cinematográfico.

Esta seja talvez das obras mais duras e isentes de beleza do nosso panorama cinematográfico, No Quarta da Vanda funciona como um registo para a posteridade, as imagens dificilmente repetidas e o lugar - as Fontainhas - extinto da sociedade. Talvez nesses termos, o estudo e análise social, a obra de Pedro Costa funciona como um perfeito exemplo de novo realismo, um documentário despido de profunda veia documental e presente sob uma linguagem distintamente cinematográfica (nota-se nas planificações e no tratamento da fotografia que aufere um clima sombrio a este “microcosmos”).

Porém, No Quarto da Vanda, a experiência é penosa, porque todo este longo plano conjuntivo reafirma a decadência humana, sublinhando-a em figuras descarregadas de qualquer caloroso conforto. O pessimismo, esse sentimento, uma das influencias contínuas na filmografia de Pedro Costa e muito mais "afiada" nesta sua trilogia. Agora marchemos com a juventude!