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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Capitão Falcão: "Chamou Sr. Presidente!"

Hugo Gomes, 25.04.15

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Para os mais conservadores, todo este desenrole soa uma pura e simples “palhaçada”, um troçar de tempos difíceis que uma geração passou e ultrapassou, cada uma há sua maneira. Porém, é possível assinalar Capitão Falcão, esse "anti-herói" fascista levado ao grande ecrã pelas mãos de João Leitão, como um filme necessário para o nosso próprio panorama social, o de despir de todos os simbolismos dessa "fonte" denominada por Salazarismo. Toda essa arma de "enterrar" memórias passadas (cada vez mais invocadas nos tempos austeros que vivemos atualmente) é por vias da maior das armas - a comédia - mais precisamente da sátira, tão pouco aproveitada nos nossos meios de entretenimento.

Aqui, a sátira é a combustão para este Portugal influenciado pelo estilo "camp", (as comparações com o Batman, de Adam West, serão inevitáveis), onde reside um "super-herói", isente de qualquer super-poder para além da sua "portugalidade", o tão singular "desenrascar", essa palavra única do vocabulário lusitano que tanto dita o nosso meio vivente. Munido de ideologias facciosas aos "bons valores portugueses", sempre confundidas com conceções fascistas e Salazaristas, e acompanhado pelo seu "calado" sidekick, o Puto Perdiz (David Chan), Capitão Falcão é perito em livrar o seu país das eventuais "escumalha da sociedade"; comunistas, feministas, idealistas e … claro, os Capitães de Abril. Tudo o que soa como uma ameaça ao regime é desde logo abatido pelo nosso Capitão Falcão (Gonçalo Waddington numa prestação altamente maneirista).

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Verdade seja dita, toda esta aventura é apelativa de se ver, João Leitão ostenta uma preocupação visual, um especial cuidado com as cores o qual aufere uma atmosfera característica ao estilo incutido, e depois são todos aqueles "disparos" satíricos, desde os gags físicos aos diálogos, tudo pensado em servir um propósito, o de converter o fascismo numa possível caricatura e assim tecer astúcia suficiente para manter a obra longe do território spoof extremista. Mas se a sátira é a grande inovação em Capitão Falcão, esta também funciona sua fraqueza, a kriptonite, já que estamos numa de heróis de BD. Provavelmente os idealismos incumbidos no nosso protagonista podem ser equivocadamente confundidos com os dos envolvidos, e assim fazer com que o filme de João Leitão seja incompreendida a uma ofensa social e de valores adquiridos por um "povo lutador".

Mesmo que a obra tende em frisar constantemente esse ponto nas proximidades do desfecho, é o intelecto do espectador que sairá como o derradeiro desafio, a missão mais arriscada, deste Capitão Falcão. Contudo, nada que impeça de perdermos a "next big thing" do cinema português, e dentro desse termo de "cinema comercial", temos entre mãos, um dos melhores. Cameos de heróis esquecidos, referências, e muitas, à nossa "portugalidade", humor inteligente e personagens dignas para durar no imaginário lusitano, Capitão Falcão é um must, e tanto, que nos faz esquecer das suas limitações enquanto produto fora do presunçoso conceito de world cinema.

Salvando o Mundo! Outra Vez!

Hugo Gomes, 24.04.15

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Depois de “Guardians of the Galaxy” ter expandido o Universo Cinematográfico da Marvel, expondo uma outra equipa de super-heróis, voltemos agora à "velha" trupe num confronto directo com um inimigo comum, ou por outras palavras, mais do mesmo. 

Joss Whedon novamente no leme, contagia toda uma narrativa com as suas intervenções cómicas porém, enquanto que o primeiro "joint event" resultou numa "experiência modesta" (não sejamos esquecidos quanto ao mastodôntico orçamento) e nervosa, com “Age of Ultron”, a confiança está ao rubro. Em consequência disso temos um extensivo prolongamento do enredo, no qual se concentram mais personagens (talvez demasiadas) e respectivos subenredos (acontece tanta "coisa" em simultâneo), apostando assim, numa ênfase dramática mais acentuada. 

É um entretenimento que resistirá no teste dos espectadores, mas infelizmente é povoado por concertantes lugares-comuns geográficos e etnográficos, estereótipos servidos para simplificar todo um Mundo criado. Se prestarmos atenção aos propósitos subliminares do filme, encontramos na iniciativa “The Avengers” um excesso de militarismo, apenas descaindo na figura do mais anedótico dos vingadores, Hawkeye (Jeremy Renner), que comporta-se como um autêntico Tio Sam: "we want you to join in our cause". Mas claro, fazer leituras políticas aqui é quase tão descabido como ir a um restaurante de fast food pedir uma sopa. Avancemos para o próximo episódio. 

"Ex Machina": ser humano ou não ser, eis a questão

Hugo Gomes, 21.04.15

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Pelos vistos, a ficção científica não tem que ser apenas uma panóplia de efeitos visuais servidos em prol da ação. Tal temática pode bem funcionar como uma “bandeja” para reflexões filosóficas ou até sociais. Dentro do cinema recente, “Ex Machina” é um dos exemplares que usufrui desse artifício em benefício do debate, neste caso o “velhinho” dilema da inteligência artificial, retirado das entranhas dos autores Isaac Asimov e Phillip K. Dick, os quais condicionam algo mais que somente uma feira de vaidades de tecnologias futuristas ou sofisticação robótica, preferindo antes o desenvolvimento de questões do foro humano, como a consciência e a ilusão como característica irreconhecível dos mesmos.

Alex Garland, produtor e argumentista de inúmeros filmes de Danny Boyle, constroi uma fita a partir dessa ideia, mas não limita a mesma, aprofundando as ramificações que tal sugestão poderá gerar. Curioso que num tempo em que a ficção científica parece ter adquirido espetacularidade – veja-se os casos dos recentes “Transcendence” (Wally Pfister, 2014) e “Automata” (Gabe Ibáñez, 2014), que também questionavam as limitações da inteligência artificial, mas que cederam aos códigos do espalhafato cinematográfico – “Ex Machina” seja um protótipo discreto, astuto nos seus diálogos e concentrado em criar química entre as suas personagens.

Verdade é que a química existe entre humanos e máquinas, com Alicia Vikander (“A Royal Affair”) a mimetizar de forma convincente esse androide perfeito, apenas apelidado de Ava (evidente alusão à bíblica Eva). Ava é uma obra ainda em fase experimental, submetida a um questionário-teste que desafia as suas limitações como máquina camaleónica, ou por outro lado, confirmar a possibilidade de ter consciência.

O registo narrativo sugerido por Alex Garland, descrito como outro ponto a seu favor, é um autêntico quid pro quo digno dos contos de Thomas Harris, onde os diálogos perceptíveis e agradavelmente bem construídos salientam essa cumplicidade entre as duas oposições de matéria (a carne e o sintético). Aliás, poderíamos aclamar que “Ex Machina” tem mais contornos de thriller psicológico do que propriamente do “what if” de ficção científica. Albergado por um caprichoso trio de atores, Garland coordena aqui uma das mais gratificantes obras do género presenteada nos últimos anos por Hollywood. Quanto às questões de inteligência artificial (cada vez mais em uso), talvez este seja dos melhores exemplares desde o subestimado “I Robot”, de Alex Proyas (2004).

Xeque-mate?

Hugo Gomes, 19.04.15

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Prisão e mulheres no cinema já são por si temas de exploitation, temas, esses que foram popularizados nos anos 60 e que conseguiram perdurar até aos dias de hoje graças a alguns exemplares que subverteram os seu lugares-comuns (de relembrar que foi daí que surgiu Jonathan Demme ao serviço de Roger Corman, por exemplo). Mas em “Jogo de Xadrez”, a primeira longa-metragem de Luís Antonio Pereira, a temática algo trash desses mesmos produtos é aqui invocada de forma involuntária.

O que reside nesta fita protagonizada por Priscila Fantin (popular em Portugal devido ao trabalho em inúmeras novelas da Globo) é somente uma caricatura do termo. Depois é o enredo que desenvolve a partir de pedagogias e morais dignas de telenovela que entrelaçam com a denúncia “à la direitos humanos” sob bonecos unidimensionais. Aliás, chamar disto “bonecos” é pouco, basta evidenciar o leque de pseudo-personagens que nunca saem do registo de estereótipo e maniqueísmo, munidos por diálogos tão risíveis e pueris como o próprio argumento (também ele da autoria do realizador).

Parece que Luis Antonio Pereira encontra-se mais interessado em mimetizar um mundo de faz-de-conta do que resolver elaborar um quadro credível povoado por personagens respiráveis. Infelizmente, nem os mínimos foram requisitados pois a realização é pura mediocridade e isente de ênfase dramática, que era seu dever evocar para benefício do seu conjunto de bonecos. Sim, existe aqui qualquer coisa de penoso em assistir um desperdício tão prolongado de material. Felizmente, parece que os envolvidos perceberam de imediato o “potencial” da obra e não excederam o filme para além dos 60 minutos de duração. Até esse curto tempo enfraquece o enredo e os devidos personagens, todos eles encabeçados por atores mal direcionados.

O que resta nisto tudo, segundo o realizador, é a denúncia social. Porém, esse mesmo não ostenta seriedade porque simplesmente o anexo não apela a tal atitude. Para um filme destes, a prisão perpétua era pouco.

A juventude é um crime contra a Humanidade

Hugo Gomes, 15.04.15

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Depois da ingenuidade vinculada ao amor pelo cinema na “road trip” “Os Colegas”, Marcelo Galvão aposta, desta vez, num retrato da ausência dessa mesma inocência, aqui perdida porque o tempo assim o quis. Tal como o título refere, todo o filme é uma amarga despedida sob a ilusão de um doce adeus.

Baseado em factos verídicos, esta é a história de Almirante (Nelson Xavier), um idoso que certo dia acorda com uma nova energia, uma premonição de que os últimos momentos na Terra estão para vir. Com essa mesma energia, decide envergar por um conjunto de últimos atos, entre os quais fazer amor com a mulher da sua vida (Juliana Paes), a qual é 40 anos mais nova.

Os primeiros 15 minutos de película revelam uma força esquecida na História do Cinema. Nunca um filme foi tão fiel em abordar a decadência humana, esboçando em episódicas superações pessoais que resumem a ação e o conflito da narrativa. A liderar esse realismo, o ator Nelson Xavier é um pedestre credível, munido de uma força de acting verdadeiramente genial. Esse desempenho é subtil e reconfortante para com o espectador, como se o preparasse para uma derradeira redenção. Como alicerce da sua interpretação, Juliana Paes é invadida pela tal subtileza, numa prestação doce e sensualmente frígida (apesar de tudo). Os momentos em que partilham o ecrã revelam uma cumplicidade arrebatadora e inseparavelmente melancólica.

A realização de Marcelo Galvão frisa esse realismo comportamental, ao mesmo tempo que detém uma câmara receosa em encarar os seus atores frontalmente, como se isso transmitisse um atalho aos “braços” da morte. “O problema não é ser velho, mas sim o de ter sido jovem“, expressa Almirante, justificando a sua disfarçada saudade pelos tempos de juventude e salientando a sua vontade de vida, que se encontra de momento refém de um escasso prazo de validade. A demonstrar que é possível fazer um grande filme sob um protagonista da terceira idade, compondo a simplicidade e a conivência entre câmara e ator. Imperdível e jovial!

Violentos natos

Hugo Gomes, 13.04.15

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Há qualquer coisa de “Bonnie & Clyde" neste “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa”, uma obra que traduz os códigos da road trip para a demanda ao ser selvagem presente em cada um de nós. Tal como diria o escritor de ficção Louis L'Amour, "O caminho é o que importa, e não o seu fim", citação que poderia ser muito bem arrancada do coração indomável deste filme de Gustavo Galvão, nem que seja pela influência máscula (ou mascarada) do western romântico onde as suas personagens parecem habitar, nada revelando sobre os seus juízos passados nem dos objetivos por concretizar. O que interessa aqui é o trilho que os leva a lado nenhum.

Porém, não julguem estar perante um extenso vazio, há muito por onde olhar nesta “Dose Violenta". O filme não condiciona esse olhar, mas incentiva o espectador a procurar por entre as irónicas camadas que revestem as personagens, sempre rodeadas pela violência dos seus pertinentes pensamentos e induzidas a um mundo politicamente incorreto pela renúncia aos vínculos morais. Salienta-se a forma como Galvão renega as padronizações religiosas. Todas as personagens são corrompidas e os milagres da autoria de Jesus são outros para além daqueles com contornos bíblicos (com um subtil desejo homossexual a manifestar-se como a última tentação dos mundos dos 'machos' corruptíveis). Depois existe a fuga interminável ao capitalismo, denunciado constantemente por uma das mais ricas personagens -  e sobretudo mais lynchiana - deste universo (Marat Descartes).

É a vontade de regressar ao estado selvagem; de cortar os elos da domesticação social que o Homem parece prender. No registo de irreverência, Gustavo Galvão construiu ma fita machista, não reduzida ao sentido ordinário da palavra. Este é um hino à camaradagem masculina e à libertinagem que todos assumem de pulmões cheios. E quando falamos de masculinidade, é bom frisar que “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa” não se estabelece pelo corriqueiro estereótipo, preferindo antes a sugestão e o desconhecido. Aliás, essa é a grande força motora das suas personagens singulares. Pena é que a banda sonora voluntariamente improvisada não acompanhe simbolicamente e atmosfericamente esta viagem "a lado nenhum".

Um estranho Federico entre nós

Hugo Gomes, 12.04.15

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Não nos ficamos por um mero documentário, aliás as pessoas envolvidas não incentivariam a tais resultados, simplesmente não poderiam, seria um ato mais que criminoso. O “produto” final (que palavra mais ordinária para o contexto) é uma viagem visceral e iconoclasta ao estúdio Cinecittà 5, em queda livre para o interior da cinematografia de um dos mais singulares, senão o mais singular, dos cineastas italianos… e não é favoritismo.

Falo obviamente de Federico Fellini, sob o curioso olhar e camarada gesto de Ettore Scola, amigo e colega, não apenas nas suas demandas cinematográficas, como também nas suas vivências enquanto cartoonistas da revista Marc’Aurelio. A criatividade já se encontrava na veia de ambos, assim como a visão ácida e crítica, e particularmente em relação a Fellini, um leve toque fabulista em relação à sociedade que os envolvia. “Che strano chiamarsi Federico” (“Que Estranho Chamar-se Federico”, título citado de um poema de García Lorca) é o tributo que tanto necessitávamos ao autor de “La Dolce Vita” e de “8 ½”, e que segundo Scola, foi o maior dos mentirosos que o século XX presenciou.

Mas vamos por partes, antes de nos centrarmos no emocional que esta obra poderá transmitir ao cinéfilo mais ferrenho, ou o mais carente da chamada projeção “felliniana” (uma ausência colossal no nosso mundo cinematográfico), deveremos encarar com uma respeitosa vénia a um dos “esquecidos”, que abdica do seu potencial holofote para esta declaração. Sim, esse mesmo, Ettore Scola. Tendo directamente trabalhado com o realizador em “C’eravamo tanto Amati” (“Tão Amigos que Nós Éramos”, 1974), Scola ambiciona um híbrido informe, um cruzamento documental com a cinebiografia, e claro, Fellini não seria Fellini, sem a essência mimetizada do seu farsista teor neorrealista particular, onde o propositado surrealismo e onírico são ferramentas constantemente recorrentes. Scola ocasionalmente veste a pele do realizador de serviço em toda a sua busca pela catarse do autor, sob alusões visuais, apresentando até nós uma múltipla realidade. Depois chega-nos o óbvio tom sarcástico, um presente da vida diversas vezes partilhado entre Scola com a figura homenageada.

Sim, homenagem é o que encontramos aqui, não só pela figura, pelo Homem, pelo mestre e artista, mas pelo seu cinema, o seu contributo e a influência que exerceu em futuros cineastas. Depois disto, apetece-nos verdadeiramente bramar aos céus as saudades que este Mundo possui de Fellini. Este é um documento para aficionados e não só … para quem ainda acredita nos mágicos e na magia invocada pela Sétima Arte.

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