Capitão Falcão: "Chamou Sr. Presidente!"
Para os mais conservadores, todo este desenrole soa uma pura e simples “palhaçada”, um troçar de tempos difíceis que uma geração passou e ultrapassou, cada uma há sua maneira. Porém, é possível assinalar Capitão Falcão, esse "anti-herói" fascista levado ao grande ecrã pelas mãos de João Leitão, como um filme necessário para o nosso próprio panorama social, o de despir de todos os simbolismos dessa "fonte" denominada por Salazarismo. Toda essa arma de "enterrar" memórias passadas (cada vez mais invocadas nos tempos austeros que vivemos atualmente) é por vias da maior das armas - a comédia - mais precisamente da sátira, tão pouco aproveitada nos nossos meios de entretenimento.
Aqui, a sátira é a combustão para este Portugal influenciado pelo estilo "camp", (as comparações com o Batman, de Adam West, serão inevitáveis), onde reside um "super-herói", isente de qualquer super-poder para além da sua "portugalidade", o tão singular "desenrascar", essa palavra única do vocabulário lusitano que tanto dita o nosso meio vivente. Munido de ideologias facciosas aos "bons valores portugueses", sempre confundidas com conceções fascistas e Salazaristas, e acompanhado pelo seu "calado" sidekick, o Puto Perdiz (David Chan), Capitão Falcão é perito em livrar o seu país das eventuais "escumalha da sociedade"; comunistas, feministas, idealistas e … claro, os Capitães de Abril. Tudo o que soa como uma ameaça ao regime é desde logo abatido pelo nosso Capitão Falcão (Gonçalo Waddington numa prestação altamente maneirista).
Verdade seja dita, toda esta aventura é apelativa de se ver, João Leitão ostenta uma preocupação visual, um especial cuidado com as cores o qual aufere uma atmosfera característica ao estilo incutido, e depois são todos aqueles "disparos" satíricos, desde os gags físicos aos diálogos, tudo pensado em servir um propósito, o de converter o fascismo numa possível caricatura e assim tecer astúcia suficiente para manter a obra longe do território spoof extremista. Mas se a sátira é a grande inovação em Capitão Falcão, esta também funciona sua fraqueza, a kriptonite, já que estamos numa de heróis de BD. Provavelmente os idealismos incumbidos no nosso protagonista podem ser equivocadamente confundidos com os dos envolvidos, e assim fazer com que o filme de João Leitão seja incompreendida a uma ofensa social e de valores adquiridos por um "povo lutador".
Mesmo que a obra tende em frisar constantemente esse ponto nas proximidades do desfecho, é o intelecto do espectador que sairá como o derradeiro desafio, a missão mais arriscada, deste Capitão Falcão. Contudo, nada que impeça de perdermos a "next big thing" do cinema português, e dentro desse termo de "cinema comercial", temos entre mãos, um dos melhores. Cameos de heróis esquecidos, referências, e muitas, à nossa "portugalidade", humor inteligente e personagens dignas para durar no imaginário lusitano, Capitão Falcão é um must, e tanto, que nos faz esquecer das suas limitações enquanto produto fora do presunçoso conceito de world cinema.