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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A raíz quadrada de Tudo

Hugo Gomes, 30.01.15

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Com o documentário “Man on Wire”, James Marshall já havia abordado os grandes feitos concretizados por homens notáveis, mas nunca sob uma perspectiva mais ficcional como este “The Theory of Everything”, o drama biográfico que arrematou corações e deu a Eddie Redmayne o Óscar de Melhor Ator.

Contudo, deveremos situar-nos que esta biografia teorizada é, sobretudo, uma perspectiva de uma personagem alicerce na vida do notável Stephen Hawking, até hoje considerado o mais dotado dos físicos. Essa perspectiva pertence a Jane Hawking (Felicity Jones), tendo como base um livro auto-biográfico da sua autoria, auto-convertendo-se numa personagem martirizante sob o sofrimento e, ao mesmo tempo, da genialidade de Hawking, aqui ilustrado como uma figura faustiana e de certa forma simbólica para a narrativa. Talvez seja por isso que a jornada romantizada de Hawking e a sua primeira paixão, que segundo consta não foi a física, consegue cativar uma vasta gama de audiências, pelo simples facto que todo o mundo adora uma bela história de amor.

Marshall que tão bem transmitiu com fulgor o feito de Philippe Petit ["Man on Wire"], depois compensado com o Óscar de Melhor Documentário, rende-se à melífluosidade da sua trama, ao mesmo tempo que cede ao branqueamento das suas figuras, sem falar que o cineasta se reduz aos mais comuns dos padrões da cinebiografia. Contudo, tendo em conta este último ponto, Marshall recria um filme constantemente apresentado por uma variedade de filtros na sua fotografia, constituindo uma sedução visual que acaba por ser exaustiva e artificial (visto o trabalho de pós-produção), estas características afastam a biografia do selo estético já formato do telefilme, mas não o separam totalmente dessa mesma essência.

Referimos aqui um somente filme de actores, aliás são eles que erguem o mesmo e o transportam para campos mais emocionais, nomeadamente Redmayne, que consegue mimetizar Hawking numa prestação mais física do que inerente. Do outro lado, Felicity Jones serve como catarse aos seus conflitos, a jovem actriz é eficaz no seu desempenho, mas é igualmente ofuscada e dependente da prestação do protagonista e personalidade de cartaz. A juntar a isto, temos uma graciosa banda sonora elaborada para o efeito de emocionar, nem que seja à força. Eis uma típica biografia sob contornos hollywoodescos, porém, servida com um ator esforçadamente exemplar.

No desejo da catana ...

Hugo Gomes, 27.01.15

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Till Kleinert transformou o seu “Der Samurai” (“O Samurai”) numa variação aos contos dos irmãos Grimm, o regresso da floresta negra como magnetismo do infortúnio e a figura do lobo como um ser originalmente demoníaco, acompanhado por desenganos e de falsas juras. Mas o tratamento recebido destes elementos fabulistas tem muito menos de fantástico e mais de intimista. A floresta, esse poço de mau agoiro, é metaforicamente servido como um um "armário" interior, um canto remoto da perversão e da mais negra fantasia, onde reside um "monstro" que anseia ser libertado. Por outras palavras, a ideia intrínseca da Caixa de Pandora.

Sendo evidentes a natureza desses monstros e muito mais dessas vítimas, o jovem cineasta tem a capacidade de direcionar o olhar do espectador para os locais certos e, até certa altura, esconder os seus verdadeiros propósitos em prol de uma fachada, que se dá pelo nome de alusão. É no fundo o revisitar da história do caçador e do "lobo-mau", onde a perseguição é distorcida em toda a sua jornada. Mas quem na verdade é a besta e quem é o homem será decidido nesta corrida macabra pelo tempo. Kleinert incute o estilismo gráfico evidenciando mais essa referida aura fabulista e aposta, sobretudo, na figura antagonista interpretada por Pit Bukowski, que para o espectador mais atento é uma fusão de referências, quer cinematográficas, quer sociais. Trata-se de um "Ed Gein", um trasvestido personagem saído quer do negro imaginário de Thomas Harris, quer do signo cinematográfico de Tarantino ou Jarmusch. "Did you like what you see?" - frase proferida pelo personagem e arrancada diretamente de “The Silence of the Lambs” é um dos fatores confirmantes dessa dita hibridez de menções.

O nosso "herói" (Michel Diercks) é um confrangido homem que luta por uma posição na sua comunidade. Porém, é evadido pelas mais negras fantasias. Visto assim como o caçador desta fábula concentrada, “Der Samurai” elabora um jogo de químicas, a empatia entre o assassino e o nosso protagonista, confrontados algures entre uma batalha psicológica e gráfica. O grande clímax dá-se com a dança dos torturados, a libertação de uma prisão consequencial, dando seguimento ao estilismo quase metafórico das imagens transmitidas por Kleinert. A licantropia, a diferença individual é vista aqui como alegorica homossexualidade, o ultimo reduto da besta e da consagração do herói determinado a enfrentar os seus medos mais pessoais através da ira da catana.

Der Samurai” funciona assim como um exercício de estilo, uma “mordida” voraz no cinema fantástico alemão, ao mesmo tempo adquirindo-se numa representação imaginária, quer intimista e até social, de um país confrontado com os seus medos mais primitivos, ou no ponto vista mais pessoal, o hino à emancipação de espírito. Uma experiência surrealmente sedutora.

Mann hackeado

Hugo Gomes, 25.01.15

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Num encontro entre argumentistas decorrido em setembro do ano passado, o produtor e argumentista James Schamus afirmou que atualmente “Hollywood deixou de fazer filmes para americanos, mas especializou-se em se centrar no mercado dos jovens chineses”, face ao fenómeno que tem sido gradualmente evidente nas grandes produções hollywoodescas. Esta preocupação tem sido demonstrada num lisonjear à cultura em causa, na inserção de personagens de tal nacionalidade e na intriga – mesmo sendo inúteis para a produção, são criadas sequências exclusivas para a versão chinesa (como foi o caso do terceiro “Iron Man”) ou a ação passa por território chinês. Neste último caso, o exemplo mais descarado foi sem dúvida o quarto “Transformers”, com Michael Bay a direcionar metade da sua intriga para Hong Kong, somente com fins comerciais na mente. Resultado? Um estrondoso êxito de bilheteira.

Para o leitor, todo este cenário é pura heresia, pois comparar Michael Bay com Michael Mann deveria ser considerado uma tremenda punição. Mas a verdade é que até mesmo o realizador do muito engenhoso “Heat: Cidade sob Pressão” parece ter-se entregado a este mesmo processo. “Blackhat: Ameaça na Rede” apresenta-nos uma temática moderna sobre os perigos da informática e das redes cibernéticas. É uma obra sobre tecnologia e as consequências dessa mesma tecnologia para a sociedade, cada vez mais globalizada e dependente destes meios. No centro disto, encontramos um novo tipo de crime, golpes que não são mais executados com a precisão da mira, mas sim sob códigos de computação e o uso do teclado. Nesta transição da velha escola para os tempos sofisticados de hoje, é curioso ver Mann a abandonar parcialmente os grandes tiroteios e os bandidos quase a roçar o velho oeste para se entregar a uma nova corja de bandidos.

Contudo, mesmo sob este novo cenário, o nosso autor conserva as suas marcas:  continua a filmar a noite citadina como ninguém ou o metro como refúgio pós-clímax, mas a sua mais interiorizada imagem de marca é a forma com que aborda a complexidade das relações debaixo das “barbas da lei”, novamente citando tragédias gregas ou amor platónicos “à prova de bala”. O mesmo se pode dizer dos seus anti-heróis, que evidenciam uma descrença de Mann em personagens sociopatas, preferindo ligações humanas. Nesse sentido, visualizamos o mesmo retrato do crime cometido pelo mesmo “pintor” e, neste caso, temos umas das suas “pinturas” mais decepcionantes, pelo menos a que reúne as personagens mais vazias da sua carreira (mesmo valendo o esforço de Viola Davis). O desfecho é prova disso. A montanha pariu um rato e o velho Michael Mann demonstra pela primeira vez cansaço.

E é pena, porque longe dos olhares menos discretos do cariz comercial da obra, “Blackhat” reserva-nos momentos interessantes do panorama atual do cinema de ação norte-americano. Não é todos os dias que vemos o protagonista a invadir com êxito os sistemas informáticos da NSA (será um espectro vingador de Edward Snowden?) ou Chris Hemsworth a entregar-nos a sua melhor composição cinematográfica.

No final, temos assim um descuido do autor, mas ainda assim recheado de pontos de interesse e com o selo Michael Mann.

Os Melhores Filmes de 2014, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 15.01.15

É com algum atraso que revelo aqueles que foram para o Cinematograficamente Falando …, as 10 melhores obras cinematográficas de 2014. Distopias alternativas, relações complicadas, passeios pela História e visões únicas do Mundo em que vivemos, são estas os derradeiros filmes, tendo como base as obras estreadas comercialmente em Portugal nesse mesmo ano.

 

#10) Her

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"Talvez seja um pouco herege enunciar Her como um dos melhores romances dos últimos 5 anos, porque mesmo sentindo a sua vertente romântica e deliciosamente encantadora há que reconhecer a sua discreta, mas mesmo assim, determinada faceta negra. Com uma banda sonora daquelas que fascina qualquer um, The Moon Song de Karen-O é um prazer lírico e poético, em Her de Spike Jonze é um prazer apaixonar, contudo refletir sobre os caminhos que o nosso mundo social segue a fortes passos."

 

#09) Enemy

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"Em Enemy, Denis Villeneuve aposta e vence, um thriller de atributos invejáveis ditado por um estilo único e labiríntico. E voltando à questão inicial, sim, Saramago era bem capaz de adorar esta visão libertina e simultaneamente inerente da sua criação literária, uma tese de autor sobre outro autor. O regresso do cinema provocador num filme para quem acredita que o cinema pode ser profundo e ao mesmo tempo, esteticamente cativante."

 

#08) Nightcrawler

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"Jake Gyllenhaal veste a pele de um "abutre humano" em cenário desumano de oportunidade e hipocrisia. Nightcrawler é o Taxi Driver da nova geração, porém, mais agressivo, negro e sem um ponta de esperança numa humanidade cada vez mais regida à fama imediata e aos enclausuramentos estabelecidos pelos tempos televisivos."

 

#07) Ida

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"Ida é um filme diatómico, um projeto amargurado e melancolicamente simbólico que nenhum país gostaria de ostentar na sua filmografia, mas que por um lado este é um trabalho de união que a Polónia tão bem concretizou. Uma jornada ao passado isentes de glória e drama digno hollywoodesco, existem poucos filmes assim."

 

#06) The Grand Budapest Hotel

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"Depois desta demanda, talvez a mais próxima da perfeição por parte de Wes Anderson, será difícil ultrapassar-se sem cair na limitação do seu estilo (fazendo lembrar o misterioso Terrence Malick). Enquanto não chega essa futura obra que irá ditar o rumo enquanto cineasta verdadeiramente acarinhado na indústria, Grand Budapest Hotel é uma fantástica aventura que nos remete ao misticismo do cinema, algo que parecia perdido.

 

#05) Mommy

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"(…) em Mommy nem nos interessamos em salvações musicais, porque neste mundo confinado à entrega de um aos outros, Dolan é um "Deus" nada misericordioso, que não executa castigos divinos nem sequer recompensas. O magnetismo maternal, os fantasmas por trás desse mesmo deslumbramento, fazem de Mommy um filme de linguagem, de respostas sem perguntas e da afirmação de um realizador que por direito merece ser relembrado. Desencantado mas primoroso."

 

#04) Nebraska

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"Agora também é verdade que esta pequena grande produção a preto-e-branco não funcionaria na totalidade se não fosse o seu elenco; um natural e simultaneamente soberbo Bruce Dern a apresentar a decadência temporal e Will Forte a surpreender no seu papel mais dramático, sem esquecer de uma divertida e arrogante June Squibb (impagável). Nebraska é um retrato humanista, emocionante e delicado, uma futura obra-prima do cinema independente norte-americano. Must see!"

 

#03) The Congress

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"The Congress é um filme genial, extenso e nada tímido para com as suas próprias expressões e ideais, o anúncio da morte do cinema e da sociedade são arranques imaginativos e profundos para a confirmação de um dos mais proeminentes cineastas da actualidade. Depois da Valsa', chega-nos a solicitude."

 

#02) The Act of Killing

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Praticamente toda gente está a habituado a encarar o género do documentário com o formato das produções televisivas, mas enganem-se quem pensa que tal é apenas serviço pedagógico. The Act of Killing é o grande exemplo disso, uma veia onírica que abate o panorama real dos nossos dias, os medos de uma sociedade estampados sob um selo fantasmagórico. Aqui não há julgamentos, a ética é mera inutilidade perante a grandiosidade deste filme que nos remete ao mais negro da natureza humano. Corajoso, incisivo e na sua maneira de ser, poético

 

#01) La Grande Bellezza

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"(…) Sorrentino é multifacetado na sua direção, por vias de mimetização (segundo as más línguas), consegue invocar Federico Fellini e o seu neo-realismo como também a veia satírica de La Dolce Vita, até aos planos algo simétricos e renascentistas de um Peter Greenaway. Ou seja, até na sua realização, Sorrentino incute a diversidade cultural, homenageando algum dos novos artistas, aqueles desprezados pelos puristas da Pintura e de outras Artes, que são os cineastas, porém sente-se em simultâneo um mise-en-scené por vezes digno do Teatro mais intimista."

 

Menção Honrosa: Nymphomaniac Part 1, The Broken Circle Breakdown, Gone Girl, Boyhood, Philomena