2015 Já se vê do outro lado da fonte!
The Great Gatsby (Jack Clayton, 1974)
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...
The Great Gatsby (Jack Clayton, 1974)
Mais para ler
Devido à exaustão de imagem é quase impossível, nos dias de hoje, sentirmos pavor com a figura do vampiro, muito mais com a mítica personagem de Drácula, conde “marginalizado” por Deus e abraçado pelas trevas, imortalizado num conto de Bram Stoker, que por sua vez é baseada numa das mais infames personalidades da nossa História, o Príncipe Vlad, o Empalador. Com cerca de 100 anos de cinema, esse dito "príncipe das trevas" converteu-se numa estrela emprestada, não apenas reduzida à temática do terror, como também aos diferentes géneros cinematográficos. Porém uma das incursões mais célebres (descartando a versão não autorizada que transfigurou e muito o cinema dos anos 20, “Nosferatu” de Murnau) foi obviamente a clássica versão de 1931, de Tod Browning com o ator húngaro Bela Lugosi a encarnar o "rei vampiro", o papel que dificilmente conseguiu fugir.
Porém, "Bela Lugosi is Dead" e o vampiro, massacrado pelas novas tendências, converteu-se numa imagem exclusivamente hollywoodesca, a prova disso é este reboot ao mito folclórico da Transilvânia, que não é nada mais, nada menos que um case study aos modelos cinematográficos de sucesso. Em “Dracula Untold”, a primeira promessa de um eventual franchise por parte da Universal Pictures, somos induzidos a um arquétipo de super-heróis na sua génese, pelo menos é o que a obra de Gary Shore evidencia através de um formato algo similar. Aliás Drácula, o trágico "demónio" que aterrorizou gerações passadas é agora "esfaqueado" com um dever heróico num conto que não respeita as suas origens assim como a história verdadeira de que serviu de base a lenda.
Se bem que isto poderia resumir a uma visão alternativa quanto à mesma história de sempre, a verdade é que como filme, este “‘Untold” nos reserva as manhas da indústria atual. São cerca de uma e meia para recontar o já recalcado, numa narrativa justa e limitada a lugares-comuns que o público-alvo está acostumado, mas que parece não cansado à sua sobre-exposição, e por referências (mínimas) que os “fãs” da figura em questão irão reconhecer. Depois é o excesso dos CGI, um factor que torna a já limitada narrativa ainda mais limitada e sobretudo, incoerente. Para além das más lições de História e de maniqueísmos evidentes (deitando por terra qualquer carácter ambíguo, nessa liga Francis Ford Coppola saiu-se vitorioso) tendo como foro etnográfico, “Dracula Untold” “brinda-nos” com acting preguiçoso em geral (sem referir a nula aptidão de personagens).
Se é "isto" um possível começo de uma saga com promessas de reunir todo um espólio monstruoso da Universal Classics (domínio público é a palavra-chave), mais valiam estar "sossegadinhos". “Dracula Untold” está mais próximo do último Homem-Aranha do que propriamente da memória de Bela Lugosi. "Never forget who I am” (“Nunca esquecer quem sou”), pois, para conselhos inúteis o filme segue o tempo todo.
Mais para ler
Sophia Loren
Mais para ler
No sentido mais poético e aficionado pela Sétima Arte, o Cinema leva-nos até às mais vastas fronteiras do nosso ser, às mais longínquas das galáxias e aos mundos nunca antes imaginados. Interstellar, o mais recente filme de Christopher Nolan, numa fase em que o seu ego pretensioso não tem lugar na Via Látea, é a proposta de ida sem retorno a essa imensidão espacial, tal como é transmitido no título - inter-estrelar.
Grandioso no aspeto visual e sonoro, Nolan conseguiu com isso e sob um jeito que demonstra astúcia reciclada às suas próprias marcas autorais, sim, porque o realizador da trilogia de The Dark Knight, já merece acima de tudo o seu título de autor, e os seus "blockbusters" a suas obras de arte.
Inicialmente o que vemos aqui, neste futuro neoprimitivo, onde os recursos naturais se esgotam a uma velocidade extrema e que planeta Terra, outrora uma arca de diversidade biológica, é consumido pela inospitalidade e pelo deserto desconhecido que ferozmente avança. Este Mundo ficou pobre, a Humanidade é forçada a sobreviver ao invés de viver nos seus sonhos de conquista, aliás a agricultura é o único meio capaz de destinado aos homens deste futuro esquecido, enquanto a ciência subvalorizada é remetida aos anais da Historia da Civilização. Esta distopia, que soa mais como uma pessimista previsão do nosso estado, é o ponto de partida para a aventura que se segue, Nolan demonstra a sua face mais conservadora, e refiro em linguagem "americanizada", onde salienta os feitos do povo americano além-fronteiras e destrói à partida qualquer conspiração ou crítica nesse meio.
No caminho ainda somos surpreendidos à clandestinidade da NASA, a única organização, segundo Nolan, capaz de salvar a Humanidade. É óbvio que o realizador foi consultar a organização e como condição, a "boa conduta" da mesma deve estar representada. Porém, Interstellar não é um filme de distopias, nem imaginações frenéticas de mais um futuro distante, é sim um pretexto para agradar a comunidade científica com teorias de relatividade e do espaço desconhecido. Aliás comunidade essa, que sempre havia sentido aparte no território da ficção cientifica, visto que o entretenimento ou a fertilidade das ideias (o fascínio pelo impossível) sempre havia sido prioridade frente à credibilidade e a possibilidade a foro cientifico. Nesse aspeto, Interstellar constitui um "must", mas só nesse termo.
Contacto de Robert Zemeckis, o previsível e muitas vezes citado 2001: A Spacey Odyssey de Kubrick e até mesmo traços do "populucho" Armageddon de Michael Bay, referências essas, a que deparamos aqui. Ou seja, fora desses devaneios científicos e explicações merecedoras de registo, Interstellar é uma salada de frutas dos space operas, um tecnicamente fascinante filme de ficção científica que tem como principal objetivo, recorrer a umas boas teorias científicas para desmantelar o misticismo do filme de Kubrick. Ao invés da metafísica explorada e teorizada até à exaustão no filme de 1968, a relatividade e pensamentos de Isaac Newton são recorridos ao serviço de um twist final que por si era, cinematograficamente, calculável.
Claramente, Christopher Nolan construiu aqui a sua homenagem ao género, mas o que soube realmente fazer foi um híbrido incógnito, um ensaio teorizado para provar é “the smartest guy in the room". Por outras palavras, Interstellar resulta no seu todo como uma virtuosa demonstração de ego. Enquanto isso, o espaço exposto pelas avançadas técnicas de Hollywood perdeu dimensão desde a incursão espacial de Alfonso Cuarón e o seu jogo de sobrevivência chamado Gravity.
"Do not go gentle into that good night; Old age should burn and rave at close of day. Rage, rage against the dying of the light."
Mais para ler
Antes de preparar "L'Écume des Jours", Michel Gondry aventurou-se no registo do documentário/entrevista "Is the Man Who Is Tall Happy?”. Uma conversa com o célebre linguista e ativista Noam Chomsky, que poderia muito bem ser acompanhada por um formato quase televisivo ou modelizado do documentário de testemunho. Embora em teoria pareça um exercício académico, Gondry, habituado à excentricidade visual, narra todo este "blá blá blá" com animações da sua autoria e de igual interpretação. Talvez seja essa vertente que permita ao realizador trazer alguma frescura ao registo, mas essa singularidade visual não o transforma em algo mais transcendente do que um mero exercício de estilo.
Obviamente, esta conversa, difícil de acompanhar para quem não está familiarizado com o tema - até mesmo Gondry tem dúvidas em embarcar nesta filosofia coletiva - é extensa mas rica, por vezes divagando por temas sobre temas, esboçando a vida de Chomsky, os momentos que o marcaram e que o levaram a tornar-se no homem que é hoje, lembrado pelas suas teorias sobre inúmeros assuntos. Se a sua conversa intelectual e sugestiva preenche de forma cerebral as referidas e inundantes animações, “Is the Man Who Is Tall Happy?” resulta, ainda assim, num engodo devido ao método de Tadoma, citado pelo próprio Chomsky como uma leitura de expressões e linguagens através do tacto, formação especializada para deficientes audiovisuais. Quero com isto salientar que, através deste disfarce técnico, somos remetidos a uma cansativa demonstração de ego, mais do que à exploração das convenções e perspectivas dadas pelo linguista.
Assim, ficamos com ideias de tópicos sobre a complexidade do cérebro humano, o que funciona mal no ensino educacional, o quanto uma criança pode aprender sobre línguas e até as propriedades psíquicas dos objetos. Temas esses, quase reduzidos a conversas de café, são muitas vezes interrompidos pelas dificuldades linguísticas de Gondry ao formular questões. Vale pelo conceito e forma, mas, inerentemente, não nos deixa satisfeitos.
Mais para ler
Em Campo de Flamingos Sem Flamingos desejamos intensamente encontrar o fio condutor desta motivação epopeica visual, o percorrer do recorte de Portugal através do registo de imagens, onde André Príncipe, o diretor de fotografia Takashi Sugimoto e o operador de som Manuel Sá aplicam para preencher esse imaginário. Contudo, tal proposta só é possível a quem ler a sinopse de promoção deste documentário, sem noção como tal.
Em Campo de Flamingos Sem Flamingos (até no titulo nos demonstra uma alusão metafórica desperdiçada) vale pelas imagens recolhidas e pelos momentos em que câmara, como poucas, consegue captar, mas onde se esconde o autor no centro deste ensaio academista? O norte do espectador é abalado pela incapacidade de orientação de André Príncipe na sua narrativa visual, é no seu termo uma exposição de imagens sem um sentido cronológico nem objetivos definidos, quase como um álbum de fotografias que não queremos ver mas que o autor insiste em demonstrar. Pois bem, o desperdício é sentido em contacto com a angariação de material visual interessante, não apenas para o olhar, mas mesmo em linguagem cinematográficas, entre elas a alusão divina de um "Deus sob as formigas". De resto é mostrar o que se quer mostrar, sem nada a assinalar.
O vangloriar de imagens, o fascínio pela natureza estética que contrapõe com o retrato profundo do país que supostamente Príncipe quer expor. No final, após uma mudança drástica de registo, sentimos que o realizador brincou demasiado com uma câmara sem saber ao exato o que filmar, e o pior é que como espectador a frustração de um trabalho mal executado é evidente. Príncipe ficou a meio da sua missão, e o pior é que não obteve a coragem para reconhecer tal falhado ato.
E como grande parte dos novatos do cinema português de autor, ficamos às "aranhas" em mais uma masturbação ao clube que estas novas "promessas" querem a todo o custo integrar, sem com isso aprender com as suas experiências, erros e ensaios. Uma proposta indulgente.
Mais para ler
Antes de “Exodus” estrear, Ridley Scott revelou à imprensa o porquê da escolha do casting deste épico bíblico ter caído sobre atores brancos. Segundo este, um elenco recheado por egípcios resultaria numa negação pelos grandes estúdios e obviamente um fracasso de bilheteira. Para dizer a verdade isto é uma polémica inofensiva, cuja sua importância apenas evidencia o evidente – vivemos num mundo cada vez mais politicamente correto, e no cinema, tentar impor-se a um sistema de lucro milenarmente estabelecido. Se não fossem estas declarações terem visto a luz do dia, obviamente a esta altura do campeonato poderíamos estar a referenciar “Exodus” como um tributo aos grandes clássicos de Hollywood, nomeadamente ao legado de Cecil B. DeMille e ao respetivo “The Ten Commandments”, com o ator Charlton Heston a desempenhar o bíblico Moisés.
Mas sem querer negar o seu fulgor épico, tratando-se de um filme de Ridley Scott que mais salienta essa vertente desde o seu bem-sucedido “Gladiator”, esta obra está mais próxima de “Noah” de Aronofsky do que as grandes produções da idade do ouro da indústria norte-americana. Mas enquanto Aronofsky era mais espontâneo na sua provocação e visão da história bíblica, Scott recorre à subtileza para concretizar um filme direcionado a crentes mas que ao mesmo tempo questiona e fomenta essas ideologias. E continuando a comparação, ambos são filmes que representam uma imagem de Deus oposta à da doutrina cristã católica atual. Aliás, esta é uma entidade divina fiel às escrituras da Bíblia, ou seja menos misericordioso, negro e descrente na Humanidade.
No caso de “Exodus", talvez a grande provocação seja a forma como se apresenta Deus a Moisés, uma mera criança (obviamente declarando que se trata de um mero mensageiro, para não ferir susceptibilidades). Esta forma física serve para criar um contato visível entre o “rei dos hebreus” e o seu mentor, mas para também para figurar a metáfora “God is a mean kid with an ant farm and magnifying lens” («Deus é uma criança endiabrada com uma quinta de formigas e uma lupa»), tendo em conta que esta é a história das pragas bíblicas e das milhares de almas chacinadas por estas.
“Que tipo de pessoa venera um Deus assassino de crianças?” questiona Joel Edgerton, como Ramsés, o rival de Moisés, após ver o seu primogénito morto sob a ira de Deus. São frases ou imagens como estas que demonstram uma tendência de produção para os lados de Hollywood: filmes bíblicos que questionam a sua maneira de ser. Ridley Scott não fugiu à regra, mas o seu ensaio cinematográfico dá um a zero ao de Darren Aronofsky porque simplesmente o realizador soube dizer as palavras certas nos momentos certos, protegendo-se ao esconder-se por entre as escrituras que serviram de base ao argumento da obra.
Agora como produção, Scott tem em mãos algo grandioso em termos de quantidade, um espectáculo hollywoodesco que não envergonha a já longa História cinematográfica. De um visual virtuoso, uma recolha irrecusável de material cénico e a banda sonora previsivelmente épica de Alberto Iglesias (“The Constant Gardner”). Os atores, mesmo que alguns sejam figuras decorativas – como foi o caso da desperdiçada Sigourney Weaver (detentora apenas de duas ou três frases em duas horas e meia de filme), e nem sequer refiro Aaron Paul – concentram-se em articular um filme homérico, cuidadoso e ocasionalmente emocionante. Para além disso, Christian Bale funciona como um Moisés radical e obviamente afastado do classicismo imposto por Charlton Heston.
Longe de se tornar um clássico ou na melhor desculpa de Ridley Scott pelo seu “The Counselor”, “Exodus: Gods and Kings” é uma dose nostálgica em termos produtivos e mesmo construído sob uma linguagem quase classicista e remota, ainda que com uma subtileza moderna e provocante. Porém, sem cair no teor de escusada recontagem.
Mais para ler
Gaslight (George Cuckor, 1944)
Mais para ler
Boyhood tem conquistado a atenção global pelo seu "how I made it", ou seja, o badalado procedimento das filmagens. Aliás, não é todos os dias que nos surge um filme que fora rodado em 12 anos, muito mais um drama no qual é possível testemunhar o crescimento natural da sua principal personagem, Mason (Ellar Coltrane, em gradual fase de evolução como ator), ao invés de nos depararmos com um artificialismo cinematográfico.
Richard Linklater, o mesmo homem por trás da trilogia Before (Antes do Amanhecer), entrega-se a um drama tipicamente virtuoso da tendência "coming-of-age", que evidencia os diversos fatores de crescimento de um ser. Neste caso, assistimos primeiramente a uma criança de 6 anos a chegar à tenra idade dos 18 e os passos cruciais na construção da sua personagem.
É uma narrativa esquemática que é beneficiada pelo seu modus operandi, uma biografia fictícia que termina por ser identificável pela maioria do seu público, visto ser fácil encontrar algum facto ou elemento que nos remeta à nossa infância ou juventude. Talvez seja por isso que a aclamação mundial tornou-se evidente, mas é verdade que Boyhood tem as suas próprias virtudes, longe do "12 anos de produção" que serviu como marketing.
Eis um filme que nos faz olhar não para a sua personagem mas para o seu exterior, o biótopo que o rodeia. Pois bem, Linklater minou a sua epopeia dramática com todo o kitsch possível de cada época retratada. É cultura pop encruzilhada com as temáticas sociais correspondentes a cada atualidade e a influência que esses ditos fatores possuem no derradeiro crescimento de Mason, cuja chegada aos 18 anos encerra um filme, e inicia outro, apenas disponível na nossa memória e premonição.
Se Mason é realmente uma figura que interliga o público com a trama exposta no ecrã, Patricia Arquette como a mulher fracassada, mas mãe esforçada, serve de alicerces para com o desempenho de Coltrane e de Lorelei Linklater (a filha do realizador que interpreta a irmã de Mason). Por sua vez, o pai ausente, o "duque do indie norte-americano" Ethan Hawke, é visto e salientado pela câmara de Linklater como um herói "sebastianino", cujas escassas presenças trarão conforto e estima à vida de Mason, ao mesmo tempo que culmina metáforas de foro vivente. Ambos os atores que preenchem o papel de progenitores, também eles vitimas do envelhecimento transposto pelo realizador, polvilham o universo deste "boy" em algo verdadeiramente dinâmico e, ao contrário da sua narrativa, longe da farta esquematização.
Mais do que criar coincidências com as quais nos identificamos de forma nostálgica, Boyhood é o espelho da sociedade norte-americana ao longo de 12 anos, para que não resumíssemos o filme no somente processo de "12 years in making". Quando a vida torna-se no verdadeiro espetáculo cinematográfico.
"You know how everyone's always saying seize the moment? I don't know, I'm kind of thinking it's the other way around, you know, like the moment seizes us."
Mais para ler