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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Ouço barulhos vindo da tumba de Bram Stoker!

Hugo Gomes, 26.12.14

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Devido à exaustão de imagem é quase impossível, nos dias de hoje, sentirmos pavor com a figura do vampiro, muito mais com a mítica personagem de Drácula, conde “marginalizado” por Deus e abraçado pelas trevas, imortalizado num conto de Bram Stoker, que por sua vez é baseada numa das mais infames personalidades da nossa História, o Príncipe Vlad, o Empalador. Com cerca de 100 anos de cinema, esse dito "príncipe das trevas" converteu-se numa estrela emprestada, não apenas reduzida à temática do terror, como também aos diferentes géneros cinematográficos. Porém uma das incursões mais célebres (descartando a versão não autorizada que transfigurou e muito o cinema dos anos 20, “Nosferatu” de Murnau) foi obviamente a clássica versão de 1931, de Tod Browning com o ator húngaro Bela Lugosi a encarnar o "rei vampiro", o papel que dificilmente conseguiu fugir.

Porém, "Bela Lugosi is Dead" e o vampiro, massacrado pelas novas tendências, converteu-se numa imagem exclusivamente hollywoodesca, a prova disso é este reboot ao mito folclórico da Transilvânia, que não é nada mais, nada menos que um case study aos modelos cinematográficos de sucesso. Em “Dracula Untold”, a primeira promessa de um eventual franchise por parte da Universal Pictures, somos induzidos a um arquétipo de super-heróis na sua génese, pelo menos é o que a obra de Gary Shore evidencia através de um formato algo similar. Aliás Drácula, o trágico "demónio" que aterrorizou gerações passadas é agora "esfaqueado" com um dever heróico num conto que não respeita as suas origens assim como a história verdadeira de que serviu de base a lenda.

Se bem que isto poderia resumir a uma visão alternativa quanto à mesma história de sempre, a verdade é que como filme, este “‘Untold” nos reserva as manhas da indústria atual. São cerca de uma e meia para recontar o já recalcado, numa narrativa justa e limitada a lugares-comuns que o público-alvo está acostumado, mas que parece não cansado à sua sobre-exposição, e por referências (mínimas) que os “fãs” da figura em questão irão reconhecer. Depois é o excesso dos CGI, um factor que torna a já limitada narrativa ainda mais limitada e sobretudo, incoerente. Para além das más lições de História e de maniqueísmos evidentes (deitando por terra qualquer carácter ambíguo, nessa liga Francis Ford Coppola saiu-se vitorioso) tendo como foro etnográfico, “Dracula Untold” “brinda-nos” com acting preguiçoso em geral (sem referir a nula aptidão de personagens). 

Se é "isto" um possível começo de uma saga com promessas de reunir todo um espólio monstruoso da Universal Classics (domínio público é a palavra-chave), mais valiam estar "sossegadinhos". “Dracula Untold” está mais próximo do último Homem-Aranha do que propriamente da memória de Bela Lugosi. "Never forget who I am” (“Nunca esquecer quem sou”), pois, para conselhos inúteis o filme segue o tempo todo.

Nolan, a odisseia do Espaço!

Hugo Gomes, 21.12.14

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No sentido mais poético e aficionado pela Sétima Arte, o Cinema leva-nos até às mais vastas fronteiras do nosso ser, às mais longínquas das galáxias e aos mundos nunca antes imaginados. Interstellar, o mais recente filme de Christopher Nolan, numa fase em que o seu ego pretensioso não tem lugar na Via Látea, é a proposta de ida sem retorno a essa imensidão espacial, tal como é transmitido no título - inter-estrelar.

Grandioso no aspeto visual e sonoro, Nolan conseguiu com isso e sob um jeito que demonstra astúcia reciclada às suas próprias marcas autorais, sim, porque o realizador da trilogia de The Dark Knight, já merece acima de tudo o seu título de autor, e os seus "blockbusters" a suas obras de arte.

Inicialmente o que vemos aqui, neste futuro neoprimitivo, onde os recursos naturais se esgotam a uma velocidade extrema e que  planeta Terra, outrora uma arca de diversidade biológica, é consumido pela inospitalidade e pelo deserto desconhecido que ferozmente avança. Este Mundo ficou pobre, a Humanidade é forçada a sobreviver ao invés de viver nos seus sonhos de conquista, aliás a agricultura é o único meio capaz de destinado aos homens deste futuro esquecido, enquanto a ciência subvalorizada é remetida aos anais da Historia da Civilização. Esta distopia, que soa mais como uma pessimista previsão do nosso estado, é o ponto de partida para a aventura que se segue, Nolan demonstra a sua face mais conservadora, e refiro em linguagem "americanizada", onde salienta os feitos do povo americano além-fronteiras e destrói à partida qualquer conspiração ou crítica nesse meio.

No caminho ainda somos surpreendidos à clandestinidade da NASA, a única organização, segundo Nolan, capaz de salvar a Humanidade. É óbvio que o realizador foi consultar a organização e como condição, a "boa conduta" da mesma deve estar representada. Porém, Interstellar não é um filme de distopias, nem imaginações frenéticas de mais um futuro distante, é sim um pretexto para agradar a comunidade científica com teorias de relatividade e do espaço desconhecido. Aliás comunidade essa, que sempre havia sentido aparte no território da ficção cientifica, visto que o entretenimento ou a fertilidade das ideias (o fascínio pelo impossível) sempre havia sido prioridade frente à credibilidade e a possibilidade a foro cientifico. Nesse aspeto, Interstellar constitui um "must", mas só nesse termo.

Contacto de Robert Zemeckis, o previsível e muitas vezes citado 2001: A Spacey Odyssey de Kubrick e até mesmo traços do "populuchoArmageddon de Michael Bay, referências essas, a que deparamos aqui. Ou seja, fora desses devaneios científicos e explicações merecedoras de registo, Interstellar é uma salada de frutas dos space operas, um tecnicamente fascinante filme de ficção científica que tem como principal objetivo, recorrer a umas boas teorias científicas para desmantelar o misticismo do filme de Kubrick. Ao invés da metafísica explorada e teorizada até à exaustão no filme de 1968, a relatividade e pensamentos de Isaac Newton são recorridos ao serviço de um twist final que por si era, cinematograficamente, calculável.

Claramente, Christopher Nolan construiu aqui a sua homenagem ao género, mas o que soube realmente fazer foi um híbrido incógnito, um ensaio teorizado para provar é “the smartest guy in the room". Por outras palavras, Interstellar resulta no seu todo como uma virtuosa demonstração de ego. Enquanto isso, o espaço exposto pelas avançadas técnicas de Hollywood perdeu dimensão desde a incursão espacial de Alfonso Cuarón e o seu jogo de sobrevivência chamado Gravity.

 

"Do not go gentle into that good night; Old age should burn and rave at close of day. Rage, rage against the dying of the light."

Campo de Flamingos Sem Flamingos: aviso de "spoilers", há flamingos!

Hugo Gomes, 14.12.14

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Em Campo de Flamingos Sem Flamingos desejamos intensamente encontrar o fio condutor desta motivação epopeica visual, o percorrer do recorte de Portugal através do registo de imagens, onde André Príncipe, o diretor de fotografia Takashi Sugimoto e o operador de som Manuel Sá aplicam para preencher esse imaginário. Contudo, tal proposta só é possível a quem ler a sinopse de promoção deste documentário, sem noção como tal.

Em Campo de Flamingos Sem Flamingos (até no titulo nos demonstra uma alusão metafórica desperdiçada) vale pelas imagens recolhidas e pelos momentos em que câmara, como poucas, consegue captar, mas onde se esconde o autor no centro deste ensaio academista? O norte do espectador é abalado pela incapacidade de orientação de André Príncipe na sua narrativa visual, é no seu termo uma exposição de imagens sem um sentido cronológico nem objetivos definidos, quase como um álbum de fotografias que não queremos ver mas que o autor insiste em demonstrar. Pois bem, o desperdício é sentido em contacto com a angariação de material visual interessante, não apenas para o olhar, mas mesmo em linguagem cinematográficas, entre elas a alusão divina de um "Deus sob as formigas". De resto é mostrar o que se quer mostrar, sem nada a assinalar.

O vangloriar de imagens, o fascínio pela natureza estética que contrapõe com o retrato profundo do país que supostamente Príncipe quer expor. No final, após uma mudança drástica de registo, sentimos que o realizador brincou demasiado com uma câmara sem saber ao exato o que filmar, e o pior é que como espectador a frustração de um trabalho mal executado é evidente. Príncipe ficou a meio da sua missão, e o pior é que não obteve a coragem para reconhecer tal falhado ato.

E como grande parte dos novatos do cinema português de autor, ficamos às "aranhas" em mais uma masturbação ao clube que estas novas "promessas" querem a todo o custo integrar, sem com isso aprender com as suas experiências, erros e ensaios. Uma proposta indulgente.

Boyhood: O 'indie' em estado de maduração

Hugo Gomes, 01.12.14

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Boyhood tem conquistado a atenção global pelo seu "how I made it", ou seja, o badalado procedimento das filmagens. Aliás, não é todos os dias que nos surge um filme que fora rodado em 12 anos, muito mais um drama no qual é possível testemunhar o crescimento natural da sua principal personagem, Mason (Ellar Coltrane, em gradual fase de evolução como ator), ao invés de nos depararmos com um artificialismo cinematográfico. 

Richard Linklater, o mesmo homem por trás da trilogia Before (Antes do Amanhecer), entrega-se a um drama tipicamente virtuoso da tendência "coming-of-age", que evidencia os diversos fatores de crescimento de um ser. Neste caso, assistimos primeiramente a uma criança de 6 anos a chegar à tenra idade dos 18 e os passos cruciais na construção da sua personagem.

É uma narrativa esquemática que é beneficiada pelo seu modus operandi, uma biografia fictícia que termina por ser identificável pela maioria do seu público, visto ser fácil encontrar algum facto ou elemento que nos remeta à nossa infância ou juventude. Talvez seja por isso que a aclamação mundial tornou-se evidente, mas é verdade que Boyhood tem as suas próprias virtudes, longe do "12 anos de produção" que serviu como marketing.

Eis um filme que nos faz olhar não para a sua personagem mas para o seu exterior, o biótopo que o rodeia. Pois bem, Linklater minou a sua epopeia dramática com todo o kitsch possível de cada época retratada. É cultura pop encruzilhada com as temáticas sociais correspondentes a cada atualidade e a influência que esses ditos fatores possuem no derradeiro crescimento de Mason, cuja chegada aos 18 anos encerra um filme, e inicia outro, apenas disponível na nossa memória e premonição.

Se Mason é realmente uma figura que interliga o público com a trama exposta no ecrã, Patricia Arquette como a mulher fracassada, mas mãe esforçada, serve de alicerces para com o desempenho de Coltrane e de Lorelei Linklater (a filha do realizador que interpreta a irmã de Mason). Por sua vez, o pai ausente, o "duque do indie norte-americanoEthan Hawke, é visto e salientado pela câmara de Linklater como um herói "sebastianino", cujas escassas presenças trarão conforto e estima à vida de Mason, ao mesmo tempo que culmina metáforas de foro vivente. Ambos os atores que preenchem o papel de progenitores, também eles vitimas do envelhecimento transposto pelo realizador, polvilham o universo deste "boy" em algo verdadeiramente dinâmico e, ao contrário da sua narrativa, longe da farta esquematização.

Mais do que criar coincidências com as quais nos identificamos de forma nostálgica, Boyhood é o espelho da sociedade norte-americana ao longo de 12 anos, para que não resumíssemos o filme no somente processo de "12 years in making". Quando a vida torna-se no verdadeiro espetáculo cinematográfico.

 

"You know how everyone's always saying seize the moment? I don't know, I'm kind of thinking it's the other way around, you know, like the moment seizes us."