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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A bela moldura de James Gray!

Hugo Gomes, 28.07.14

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Ewa (Marion Cotillard) é uma "alienígena", não no sentido literal, mas figurativo. É uma estranha no Novo Mundo, atraída por promessas de prosperidade e de novas oportunidades. Contudo, a terra dessas promessas revela-se, desde o primeiro momento, num poço de enganos, um inferno comparável iludido pelo vislumbre da imponente Dama da Ferro erguendo a sua tocha, iluminando a vinda de cada indivíduo e o convite a que se tornem, cada um, no próprio Diabo, entregando-se a falsas juras e envolvendo-se em viciosos jogos crucificadores a vidas de um limbo labiríntico. A experiência vivida pela personagem de Cotillard é um reflexo “vivo” dos milhões de "cegos" que, desesperados, partiram dos seus lares nessa busca pelo intitulado Sonho Americano, muitos deles sucumbindo aos recantos mais sombrios do oportunismo humano. Só que em James Gray, o enfoque é outro, assim como o tom com que este explora a miséria social, inserindo-se numa estética profundamente barroca.

The Immigrant” é, até à data, a obra mais ambiciosa de um realizador estimado por muitos (vendido à ideia “do melhor americano da sua geração” … e pegou, eu sei), e tido com indiferença por outros (nunca ostentando violentas legiões de ódio). No entanto, esta é uma falsa epopeia, decepada por moldes narrativamente classicistas, sobre a qual se desenrola um enredo tecnicamente sedutor, com prestações cuidadosas do elenco. O resultado, contudo, é isento de impacto e, pior, de frontalidade. 

Gray, em conjunto com Ric Menello (o qual colaboraram em “Two Lovers”, em 2008), escreveu uma história dependente a um "míope" cénico, como arranjo desenrascado e opositor das reconstituições pretensiosas da velha Hollywood (na verdade, não podemos voltar atrás com as grandiloquência), e a recheou-a de personagens ambíguas, condenadas a justificarem os seus atos como gestos apaziguadores. Em consequência, sente-se uma ausência de antagonismo. O maniqueismo é abandonado, substituído astutamente pelo enredo, deixando a descoberto uma outra necessidade: a de um conflito interno, talvez uma evocação existencialista por parte da personagem de Cotillard e dos seus trilhos duvidosos, que mesmo perdida na miséria, mantém uma dignidade inquebrável, e por isso falseada como uma beatificação forçada. Mas nem isso chegamos a saborear.

A prova dessas "ausências" reside naquele final abruptamente feliz, que faz parecer que todo o percurso da protagonista até ao desfecho decorreu até aquele ato (conscientizando que “The Immigrant” é um filme “certinho” nesse moldes narrativos) sem grandes preocupações, sem esforço ou veracidade que o interliga. O caso desta Cotillard entregue ao “conto americano” origina uma obra novelesca que inicialmente recusa ser o que verdadeiramente é: uma performance tecnicamente irrepreensível e saudosista, daí o lado barroco com que encena Nova Iorque a tiritar por entre o seu lado fabulista e a da crueldade social (a fotografia sépia evoca uma fotogenia antiga e obsoleta de uma Nova Hollywood, a mesa que Gray sonha sentar-se numa reunião de “chá imaginário”), mas dramaticamente desgastado e narrativamente formatado. 

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Entretanto, as prestações são de uma inegavelmente qualidade. Joaquin Phoenix afirma-se mais uma vez como um dos mais exímios da sua geração, interpretando Bruno, a suposta encarnação da amoralidade necessária à sobrevivência na América (temporário devido à indução de uma desculpa ao seu carácter de resiliente oportunista), e Marion Cotillard transmite uma credibilidade que, em erradas mãos, soaria a falso. Jeremy Renner, por sua vez, completa o trio mesmo com competência numa figura apressada e dispensável (Gray e Menello disparam para o neorrealismo italiano, reproduzindo o “mágico louco” comumente dessas demandas, como a de “La Strada” de Fellini, por exemplo), quase-inútil para a narrativa. Se existisse uma ambiguidade nesta personagem (e é que sinais são nos demonstrado como prova da nossa desconfiança enquanto espectadores pós-inocência), tal é abandonado pela falta de interesse dos argumentistas.

“The Immigrant” é o espectro de um grande filme, valorizado pela ideia e pelos riscos de produção, mas "desmembrado" por um pretensiosismo anoréxico, uma característica cada vez mais presente na carreira de James Gray, o qual não esconde um certo aprumo técnico e um virtuosismo de ”aluno aplicado” que por vezes capta maravilhas. Aqui, a "maravilha saída da cartola", concentrada num plano final que rima com a abertura, a Estátua da Liberdade enquanto miragem, conforme ditado pelo ângulo, seja de saída ou de entrada. Enfim, mais uma oportunidade desperdiçada.

7 Anos de Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 25.07.14

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Seven Samurai (Akira Kurosawa, 1954)

O Cinematograficamente Falando … faz sete anos de vida, nada mau para um singelo blog de Cinema escrito por um apaixonado e nada mais que isso. E talvez seja por isso que não me surpreenda esta longevidade, visto que reconheço o meu amor pela arte, o qual muitos irão afirmar que se trata somente de obsessão. Com este espaço aprendi muito, não apenas sobre o Cinema em si, mas sobre mim próprio, o gosto da sinceridade, exigência e a evolução que penso ter tido nestes sete anos de trabalho. Gostaria de agradecer aos meus assíduos leitores, às inúmeras pessoas que conheci neste percurso, remetendo-me vivências e altas horas de debates cinematográficos, ao meus entes mais próximos por me aturarem a minha "loucura" e a por vezes imensa expressividade que revelou quanto à matéria. Resumidamente gostaria de agradecer a todos que contribuíram para que sete anos não fosse uma distância longínqua, mas sim uma realidade.

UM MUITO OBRIGADO E CONFORME SEJA A VOSSA ESCOLHA, BONS FILMES!

Na Palma de Irina

Hugo Gomes, 22.07.14

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Vencedor de um prémio no Festival de Berlim em 2008, “Irina Palm” marca o regresso de Marianne Faithfull aos papéis principais - a atriz e cantautora marcou a Sétima Arte por ter sido possivelmente a primeira actriz a dizer “fuck” num filme, o na altura muito controverso "I'll Never Forget What is Name?” (Michael Winner, 1967), ao lado de Oliver Reed, Carol White e Orson Welles

Nesta obra de Sam Garbarski, desempenha Maggie, uma avó que por amor ao seu neto, doente e necessitando de um tratamento caríssimo, trabalha numa casa de alterne, não como prostituta, mas sim masturbando homens através de um glorious hole. A sua personagem que inicia a fita sendo conservador e dedicado irá transformar-se num ser mais flexível e sem tabus, ao mesmo tempo que se converte numa estrela no seu ramo, daí o nome artístico “Irina Palm”. No elenco podemos ainda contar com o carismático Miki Manojlovic, o ator de “Underground” (Emir Kusturica, 1995), como o falso-proxeneta da história.

Pelo resumo acima, julgamos estar perante uma premissa motivadora para uma comédia de costumes em jeitos burlescos, mas não, o que encontramos é um drama com todos os ingredientes regidos ao registo de realismo britânico. A curiosidade levou-nos aqui para encarregarmos com a desilusão do seu tom, porém, uma lição pode ser leccionada aqui, entre o cómico e o dramático há uma linha ténue que pode ser encilhada e trabalhada conforme a perspetiva. Talvez a ambição de trazer à luz a verdadeira definição de tragédia pessoal (trágico + comédia), ou os limites do humor e como estes devem ser refletidos na nossa sociedade. É possível encarar isto, só que “Irina Palm” é um filme moderato quanto à sua estética e na sua abordagem, o qual todas as reflexões assumem "muita areia para a sua camioneta”. 

Agora, o que podemos extrair na jornada de Maggie, talvez mais por sobrevivência do que demandas libertárias, é o quão conservadora a sociedade (principalmente a britânica) comporta perante o sexo e as possibilidades da sua exploração (em meios legais e de progressão de carreira, obviamente). No final das contas, o interesse do filme está na sua temática e o contacto das personagens para com esta (o desenvolvimento da personagem de Faithfull revela, longe do ativismo e da ideologia, mas a normalização para com aquele ambiente), dos que as suas respostas e questões.

O Senhor da 'Macacada'

Hugo Gomes, 21.07.14

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Um blockbuster inteligente? Parece heresia esta afirmação principalmente para os mais puristas cinéfilos, mas a verdade é que esta “sequela de uma prequela /reboot, respetivamente vindo de um “remake” de um clássico que por sua vez é uma adaptação de um célebre e provocante livro de Pierre Boulle” (mais “tempestades” que “ventos favoráveis” neste título), é uma obra que reserva alguma astúcia e uma caminhada leve a muitas das questões que assombram atualmente a Humanidade (não, não é ironia). Existe nesta revolta animal uma análise ligeiramente “trocada por miúdos” de como estruturalmente funciona um regime ditatorial (frases como “eles seguem-no porque têm medo” invoca essa mesma ideia nas audiências mais despreocupadas do verão) e o constante darwinismo ético e moral, que evidencia um distanciamento dos primatas da sua natureza e a aproximação da sua comunidade às similaridades da civilização humana e das bases de que foram erguidas.

São ideias e temáticas que Boulle havia invocado na sua obra e que Franklin J. Schaffner “beliscou” sob moldes clássicos no filme de 1968, aquele que foi considerado o início de um dos primeiros grandes franchisings do cinema. Nesta versão tecnologicamente irrepreensível, somos ditados por um conjunto de fórmulas e modelos narrativos, vistos e revistos, mas que funcionam naturalmente compatíveis neste génesis do fim do Mundo alternativo, é por isso que em o “Dawn of the Planet of the Apes” não esperem nada de novo no campo do cinema mainstream. Ao invés disso, contemplam jogadas brilhantemente orquestradas e arriscadas da produção.

Entre esses riscos encontramos um protagonismo irrecusável dos primatas, cujo primeiro ato é envolvente em prol destes, esboçando a sua comunidade, relações e partilha de visões, tudo elaborado por uma linguagem perceptível, mesmo sem as legendas que complementam os seus dialetos gestuais. Caesar, o chimpanzé dominante encarnado por Andy Serkis (por via da tecnologia motion capture), é visto e limado como um líder idealista, conservador da paz e perseverante na força conjunta dos primatas. Os traços convergentes da criatura tecnológica com outras fortes personalidades históricas e bíblicas não são um disparate. Existe algo de Lenine em Caesar, mas também de Moisés, tal como no anterior.

Ou seja, este é um mundo onde literalmente e analiticamente, os “macacos” são os reis, os condutores de toda a intriga que tal como a anterior obra de Rupert Wyatt, a muito bem-sucedida Origem, não apressa à ação nem o clímax, construindo um verdadeiro drama humano nas ditas criaturas. E tal como seu antecessor, são as personagens humanas que apresentam fragilidade e pouca interatividade com o próprio espectador, mesmo que Gary Oldman seja sempre um secundário de primeira classe. O “Dawn of the Planet of the Apes” é um entretenimento de “grau prata”, que evoca inteligência (voltando à questão inicial) e uma certa memória cinematográfica que se faz deslumbrar com uma qualidade técnica invejável (é um forte candidato à estatueta de Melhores Efeitos Visuais, vistos que as criaturas tecnológicas parecem realmente “bestas” de carne e osso). As verdades devem ser ditas e vale a pena espreitar o “amanhecer” de um imaginário que de tão alusivo tem com a matriz a Humanidade.

O Sangue: um rio transversal a um novo tipo de cinema português

Hugo Gomes, 18.07.14

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Na primeira longa-metragem de Pedro Costa, o rio que surge diversas vezes em cena é consideravelmente uma entidade fantasmagórica, talvez o grande condutor de toda intriga e a certa parte, a artéria sanguínea deste O Sangue. Se o rio é relevante, as suas personagens tornam-se atípicas em relação à intriga que o cineasta em “verdes anos” culmina, mas sempre com um pé atrás em cometer o óbvio.

São relações longe de ser consumidas e pequenos mundos isolados que surgem numa prisão invisível que o realizador constantemente esboça por vias de uma ruralidade contrastada com a vida citadina (que entra no terceiro ato, como um lugar frio e povoado por seres "leprosos"). Um crime oculto é o que une dois seres desencontrados, embora reconciliados entre os segredos e a tragédia, e a ilusão de uma independência anárquica que motiva dois irmãos separados por gerações. "Sabes qual é a maior invenção do Homem?", a questão que ecoa diversa vezes sem uma resposta óbvia, deixando o espectador refletir ao mesmo tempo que aceita a rebeldia da narrativa imposta por Costa.

Neste seu primeiro filme, é evidente desvendar os traços característicos da filmografia do realizador, entre os quais o seu endurecedor pessimismo e a frieza com que são criado os seus personagens, Pedro Hestnes é o boneco ventríloquo dessa "voz". Um embrião solitário do Cinema Novo, O Sangue tem referências ao revitalizador cinema da Nouvelle Vague e a teatralidade de um Alain Resnais, assim como a imprevisibilidade dos seus gestos e os poemas proclamados da vulgaridade. Mas para dizer a verdade existe aqui um paralelismo com Leo Carax, talvez ambos os cineastas elevam um movimento cinematográfico ainda longe de ser ouvido, a rebelião de um cinema despreocupado com julgamentos, onde as ideias se fundem no lirismo das situações e nas características impróprias dos personagens.

A condizer com estes fatores, uma fotografia há muito não vista no panorama português e arrisco a afirmar que estamos perante num dos melhores exemplos do preto-e-branco numa altura em que tal coloração tornou-se obsoleta e propícia à expansão da veia artística. O Sangue é um cinema português camaleónico, expressivo não no sentido literal, mas em forma, descrito por uma fotografia ímpar, conservadora do seu estado de graça, ou seja as alusões que resultam em uma nova "criatura".

 

 

Movimentos noturnos ou como a culpa abala moralidades

Hugo Gomes, 15.07.14

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Na teoria, os três ativistas-protagonistas são os heróis intervenientes que atuam na marginalidade que o mundo atual precisa urgentemente. No entanto, em "Night Moves" (não confundir com a homónima obra de Arthur Penn) é difícil criar empatia com este mesmo trio. A sexta longa-metragem da realizadora Kelly Reichardt remete-nos para um grupo de ativistas radicais com planos para fazer explodir uma barragem que, segundo estes, é o primeiro passo para impedir a rápida escassez e destruição do oceano. Porém, por mais ativistas que sejam, estes esquecem-se de que são, acima de tudo, meros humanos (e talvez inexperientes no ramo), emocionalmente fragilizados e conscientemente instáveis.

O que começa como um thriller perspicaz, delineado sob alguns contornos hitchcockianos, depressa se converte numa melodia de culpa, um eco consequencial dos atos ambíguos. As mensagens ecológicas (existe uma curiosa sequência de uma corça prenha defunta cujo seu "rebento" ainda vivo transmite uma metáfora de tal natureza ao espectador - o nascimento de novas gerações num "mundo" destruído e insustentável) são assim invocadas como macguffins deste grupo de personagens, condenados desde o início a prevalecer numa sociedade ditada pela relevância e influência dos media e da opinião pública, que por sua vez dita os contornos da consciência individual. E é nisso que "Night Moves" funciona, não como um ensaio cinematográfico sob o mote de Al Gore, mas como um reflexo das causas, dos atos e da intervenção não como um bem individual, mas como um dispositivo para a autodestruição do mesmo. Sob sinais, é fácil identificar a evolução das personagens, meros "tubos de ensaio" num biótopo conduzido em tais elementos.

Quanto à estrutura, dentro do cinema de Reichardt, "Night Moves" é capaz de surpreender pela forma como conduz a narrativa, desafiando a sua própria marca, onde o percurso, em “lume brando”, é mais importante do que o destino. Neste caso, o destino é-nos dado de forma reveladora, mas é evidente que os caminhos trilhados são mais entusiasmantes do que a dita chegada. E é sobre esse caminho que a realizadora, argumentista e também editora, implanta uma sonoplastia aguçada em equilíbrio com uma fotografia misteriosa, tudo isto funcionando em cumplicidade com um poder de sugestão que a cineasta valoriza em vez do tom mais explícito dos cânones do thriller.

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A juntar aos elementos técnicos, narrativos e morais (neste aspeto a discussão será imensa), "Night Moves" valoriza-se igualmente pelo empenho dos três protagonistas, com Jesse Eisenberg a abandonar o seu reconhecível maneirismo e deixar-se ser conduzido numa melancolia denunciadora, que, sob pequenos pormenores, desafia o espectador a decifrar a sua psique e uma dualidade transgressiva. Quanto a Dakota Fanning, a pequena e outrora aclamada "prodígio", parece a passos largos de abandonar a imagem de "menina talento", agora já formada, a apostar em papéis mais maduros e negros. Por fim, Peter Sarsgaard, num desempenho arrepiantemente envolvente.

Assim, Kelly Reichardt assenta num filme complexo, mais do que estruturalmente aparenta. Um exemplar frio e por vezes calculista sobre a negra natureza humana, servido de uma qualidade técnica, referências cinematográficas de requinte e a conduta dos três protagonistas em construir personagens desagradáveis mas sob desempenhos sólidos. Tendo em conta a essência de "Night Moves", o Homem é capaz de tudo, até mesmo de tecer a sua própria moralidade.

Vem aí o Diabo … mas não é para ficar!

Hugo Gomes, 14.07.14

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Directamente do México, um país imensamente devoto, chega-nos uma obra de terror repleta de rituais satânicos e as enésimas manhas do "ser chifrudo", como um filme dos anos 70 se tratasse. Aliás “Here Comes the Devil” (título internacional), aproxima-se como uma homenagem a um ciclo de obras cinematográficas dessa mesma década, que por sua vez ditam os trilhos do cinema do terror como nós os conhecemos hoje, com claro olhar ao estilo moribundo e transformista - os splatters. Porém, reconhecendo que exista algo meramente trash e digno de série Z aqui (talvez pela limitação do seu orçamento), mas nada justifica que o filme da autoria de Adrián García Bogliano ambicione em ser mais do que o pressuposto e acima das suas próprias convenções. O resultado é um pedaço de terror que cheira a "mofo" e que não decide qual caminho a tomar, passando por serial-killers, maldições e um circo ambulante do Diabo, evidentemente com todos os clichés e estereótipos incluídos. Resumidamente é um dos vários circulos do Inferno restaurados por “bate-chapas”. Mario Bava fazia de maus argumentos em verdadeiras obras de arte, nem que seja por serem deleites ao olhar, “Here Comes the Devil” nem fogo de vista consegue ser, apenas um cobarde e pobre título.

Njinga, A Rainha da Angola: realeza, guerreira e rotineira ...

Hugo Gomes, 10.07.14

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Segundo o novo e ambicioso filme de Sérgio Graciano (Assim, Assim) - Njinga: Rainha de Angola - os colonos portugueses tiveram complicações no seu dito processo de colonização em parte do território angolano (Ndongo e Matamba), em causa estavam tribos ferozes e belicamente astutos liderados por um mulher guerreira e detentora de um espírito indomável, mesmo pelos homens da sua nação. No mesmo filme de Graciano, o povo que insurgiu contra a coroa portuguesa e de igual forma aos seus costumes ocidentais, falam … português, e um português bem moderno e contextualizado sem dúvida.

Contudo, esta não é a única incoerência que Njinga possui, para além de uma rainha letrada, os holandeses que não são mais que portugueses de sotaque e adornos inexplicáveis para as circunstâncias, temos a nosso dispor todo um conjunto de tratamentos novelescos a uma história guerrilheira com promessas fartas de um fulgor épico. Depois é a construção narrativa, cruel para quem desconhece os factos históricos e a cronologia de uma relevante mulher mas absolvida pela banalidade da sua produção (mais interessada em extrair um teor televisivo que apresentar rigor na sua reconstituição). Poderíamos ter suspeitado, visto que por detrás desta produção cinicamente ambiciosa está uma cadeia de televisão angolana – Semba - com claros interesses em transformar toda esta "tarefeira" em série de horário nobre. Enfim, até mesmo como produto de televisão, Njinga é "marcado" por desempenhos dramaticamente baças, conflitos esquematizados e até mesmo sequências de batalhas destinadas ao fracasso teatral.

É pena que Graciano não possuiu "unhas para tocar tal guitarra", o essencial não era somente imprimir imagens mas sim conseguir expressar da maneira mais glorificante para com a figura homenageada e conectá-la com a credibilidade histórica. Mas é certo que o realizador tem um certo toque para com a câmara, chegando mesmo … vejam bem … a esboçar um plano sequência digno do cinema de Antonioni (mal empregue, verdade seja dita). Por fim, há que salientar que Njinga: A Rainha de Angola é de momento a "pedra no calçado" de Rodrigo Leão, o compositor português reconhecido em produções hollywoodescas apresenta aqui o seu pior trabalho. Sobra então a fotografia …