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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cadences Obstinées ... a obstinar “talento”

Hugo Gomes, 31.03.14

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Cadences Obstinées marca o segundo trabalho da atriz Fanny Ardante como realizadora, a última das musas de François Truffaut e o motivo de vénia no "La Grande Bellezza" de Paolo Sorrentino, quatro depois da sua estreia em Cendres et Sang. Enquanto no seu primeiro produto, a diva usufruía das influências teatrais para esboçar um filme metódico e agarrado a ciclos (onde a estética é acima de tudo valorizada), nesta pseudo-intelectualidade remetida a “parte alguma” assenta puramente no artístico das suas imagens sem possuir decerto, palavras para o preencher.

É a história de amores perdidos, entregues com paixão mas dissipados pelo tempo e pelo ócio, que nos transporta para um triângulo amoroso a régua e a esquadro onde personagens e interesses são substituídos por “bonecos” automatizados sob consciências vazias. Em Cadences Obstinées, produzido por Paulo Branco, tudo soa a falso, a presunção intelectual escorrida sem mensura, a citação de frases algures entre a pretensão poética ou o somente “pacóvio” sem dó nem piedade, os atores náufragos (Asia Argento por outro lado comete jogging sem compaixão) e uma intriga esgotada a fim de 10 minutos.

Sim, é tudo perda de tempo, é o caminhar sob disfarces e mantos com Fanny Ardant a autoproclamar-se de autora, sem o conhecido básico de sê-lo nem as razões para tal, a esconder-se no improviso experimental a fim de evitar a sua inutilidade. Ao menos poderia ter tirado partido da sua experiência enquanto esteve ao lado de cineastas de vanguarda como Truffaut, Resnais ou Varda, assim saberia verdadeiramente transgredir as regras pelo qual muito vezes o cinema encontra-se acorrentado, mas “bolas!” nem oito nem oitenta.

Os Mortos e os Vivos, relembrando o Limbo

Hugo Gomes, 30.03.14

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“Os Mortos e os Vivos” (“Die Lebenden”), de Barbara Albert (não, não é nenhuma variação das criaturas de George A. Romero), é um obra concebida sob uma perspetiva despretensiosa e algo juvenil sobre os “fantasmas” do Holocausto, remetendo à história da jovem Sita (Anna Fischer) que durante a festa do 95º aniversário do seu avó depara-se com uma foto no qual ele se exibe com vestimentas de oficial da SS na Segunda Guerra Mundial. Esta imagem desperta em Sita uma vontade de desvendar o passado da sua família, até então misteriosa, de forma a encontrar laços redentores para os eventuais terríveis segredos que a esperam.

Esta jornada de autodescoberta soaria como tentadora, mas infelizmente demonstra ser um exercício de espírito adolescente (rebelde mas sem a razão de o ser) desequilibrado, enviesando na sua trama principal diversos subenredos sem força nem destaque e que apenas interrompem a fluidez da narrativa, e com isso a atenção do espectador em concentrar-se e interessar-se no principal. São amores passageiros, doenças que surgem e desaparecem sem darmos conta e personagens acessórias descartáveis como “lenços de papel” que tentam desviar o nosso olhar da investigação levada a cabo pela protagonista, de caracterização insossa e sem objetivos verdadeiramente definidos como personagem principal. Para complicar a visualização, “Os Mortos e os Vivos” compromete a sua narrativa com uma realização instável de uma “handycam” (idêntico a tantas séries correntes da MTV) sem que haja uma correspondência do drama e criando mesmo a ilusão de uma aproximação ao realismo cinematográfico.

Ou seja, esta nova fita realizada e escrita por Barbara Albert (“Fallen”, 2006) é um filme falhado quer a sua atenção dramática, quer na construção dos seus personagens, em consequência disso somos incapazes de sentir verdadeiramente a tragédia que nos é desde início sugerida. Vale pela banda sonora dinâmica e moderna, que nos evidencia mais a ideia de cinema tipicamente direcionado a adolescentes, onde a leveza dramática é requerida em prol de uma muito movimentada e multi-direccional narrativa (para não se fartarem!).

Falando com Ziad Doueiri, o libanês que deseja mais do que ser o "protegido de Tarantino"

Hugo Gomes, 28.03.14

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O Cinematograficamente Falando … conversou com o cineasta libanês Ziad Doueiri, que se encontra em Portugal para apresentar a sua última obra, “L'Attentat” (“O Atentado”), o filme de abertura do Judaica: 2º Mostra de Cinema e Cultura (27 - 30 de Março) para depois estrear nas nossas salas de cinemas a partir do dia 3 de abril. Oriundo da capital libanesa, Beirute, Doueiri seguiu com 20 anos para os EUA para formar-se em Cinema pela Universidade de San Diego.

Iniciou-se no ramo em 1987 como electricista na comédia de Tina Hirsch, “Munchies”, para depois destacar como operador e primeiro assistente de câmara em inúmeras produções de Hollywood, nomeadamente os diversos filmes de Quentin Tarantino, o qual é diversas vezes denominado por "Tarantino Protégé" (The Hollywood Reporter). Face a tal título, o autor pediu para não o associarem ao realizador de “Pulp Fiction”, chegando a sugerir a utilização de uma t-shirt com "I'm not associated to Tarantino" impresso para as futuras entrevistas, contudo confrontando com a questão "como foi trabalhar com o cineasta norte-americano", Doueiri revelou que era apenas um "tecnical guy", mas que adquiriu boas experiências nessa sua fase. 

Depois dos referidos trabalhos técnicos, Ziad Doueiri estreou-se como realizador a solo em 1998 com “West Beirut”, uma obra tremendamente elogiada que contou com um vistoso currículo no circuito dos festivais de cinema, tendo consagrado com o Prémio François Chalais no Festival de Cannes desse mesmo ano. O realizador voltaria a dirigir em 2004 com “Lila Says”, também ele bastante elogiado, ambas as obras o tornaram confiante e possivelmente apto de adaptar um livro tão delicado como “L'Attentat” de Yasmina Khadra, a história de um médico palestino, Amin Jaafari (Ali Suliman, “Paradise Now”), que tenta provar a inocência da sua falecida mulher, acusada de atentado suicida, nem que para isso tenha que descer às "profundezas" do fanatismo religioso.

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L'Attentat (2012)

O filme que se assume como um drama intimista com toques de thriller, expõe ao espectador inúmeros dilemas do foro social, político e religioso, mas Ziad Doueiri desaprova essa "perspectiva política", ao invés disso, o autor refere uma visão dramática, a criação de uma ênfase dramática arrebatadora sobre um homem em busca das várias vertentes da verdade, nada mais. Salienta a força do enredo e do ator em conjunto com a sua personagem, que de optimista se converte num "moralmente falecido", sendo possível "sentir o personagem face à sua decrescente jornada". Em relação ao optimismo inicial do protagonista, Ziad Doueiri não partilha a tal visão em relação ao seu país de origem, porém esta foi a única sugestão político-social que declarou durante toda a conversa, tendo negado as supostas segundas intenções no seu drama.

O realizador afirma que o seu trabalho foi sincero, incapaz de enviar tais mensagens ao espectador, aliás como o próprio acrescenta "nem eu sei que mensagem devo enviar". Segundo este, a ideologia que muitos espectadores, críticos e jornalistas constataram no seu filme advém simplesmente das personagens e da trama forte que conseguiu construir, referindo Oliver Stone como um dos exemplos deste seu modus operandis, "uma sólida história e personagens frente a uma mensagem". O realizador ainda abdica da coragem de que foi apontado, "não sou corajoso, nem é a coragem que preenche a minha agenda como realizador", mas adianta que "filmes como estes não são fáceis de fazer", e confrontando com o facto de vir a surgir eventuais consequências em remexer sensibilidade sociais, a religião é e sempre será uma "dor de cabeça", revela não sentir qualquer receio em relação a isso.

Quanto aos estereótipos árabes nos filmes ocidentais, Ziad Doueiri afirma que os "americanos estão a mudar a sua perspectiva em relação aos árabes" e que por isso a invocação de tais estereótipos é completamente descabida mesmo em Hollywood. Para finalizar o realizador anunciou, sem aprofundar, pormenores acerca do seu futuro projecto, “L'Insulte”, que será filmado em Beirut, "um drama de tribunal que estou a escrever com a minha mãe", sendo o Direito algo geracional para ele, revelando as suas origens, uma família quase toda ela ligada ao ramo (a mãe é advogada e os tios que são juízes).

Necessidades no ministério

Hugo Gomes, 27.03.14

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É nos bastidores do Ministério dos Negócios Estrangeiros franceses que decorre grande parte da ação deste “Quai D’Orsay” (“O Palácio das Necessidades”, título de referências portuguesas), a adaptação de uma banda desenhada autobiográfica de Antonin Baudry (utilizando o pseudónimo de Abel Lanzac) que empregou as suas memórias como escritor de discursos do ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominique de Villepin. Porém, na BD tal como no filme, os nomes e situações são ficcionadas de modo a não coincidir com a realidade dos factos e talvez alargar as liberdades na sua própria crítica, abordando o burlesco da ação. Mas mesmo afastando-se de tal veracidade, a sátira prevalece com tamanha força, sendo esse o “vapor” que faz movimentar todo o filme.

O Palácio das Necessidades” é uma comédia de alguma astúcia, um jubilo corrosivo que transforma “politiquices” em verdadeiros alvos abater, onde o realizador Bertrand Tavernier (“’Round Midnight”, “Death Watch”) acertado no tom e ainda mais nas suas personagens, nomeadamente as figuras caricaturais de Thierry Lhermitte (como o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexandre Taillard de Worms) e de Niels Arestrup (como Claude Maupas), este último “roubado” todas as cenas que entre graças à sua calma incorruptível. Mas “O Palácio das Necessidades” é, resumidamente, um filme de gags, a sua narrativa é “cuspida” como um amontoado de sketches interligados por raccord, intercalados por citações dos Fragmentos de Heráclito. Para além disso, existe um subenredo completamente desnecessário pelo meio que forçadamente tenta levar a intriga para fora do seu habitat natural, agravando assim o seu desequilíbrio narrativo.

Longe de ser um Doutor Estranho Amor francês, “O Palácio das Necessidades" é sobretudo uma entrega satírica que reserva alguma precisão sapiente e personagens insólitas, mas que infelizmente é servido por uma fórmula desigual e facilmente consumível. Merecia muito mais esta paródia política.

Era uma vez ... um atentado

Hugo Gomes, 27.03.14

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O já muitas vezes apelidado de “prodígio de Tarantino” (devido ao trabalho que exerceu como assistente de câmara em inúmeros filmes do realizador nos anos 90), Ziad Doueiri adapta o polémico best-seller de Yasmina Khadra para o grande ecrã, convertendo a jornada de um homem às profundezas de uma sociedade regida pela religião fervorosa e pelo ódio entre culturas num thriller intimista que apela pertinentes questões e que nos outorga respostas através da emoção.

A terceira longa-metragem de Doueiri enquanto realizador-a-solo (marcando 14 anos desde a sua aclamada estreia com “West Beirute”, abordando a Guerra Civil do Líbano, a nacionalidade do realizador, nos anos 70), é um filme arranca sob um signo esperançoso, retratando a cidade israelita Tel Aviv como um último reduto utópico para israelitas e palestinos. Mas com o desenrolar de um enredo que nos alude ao thriller mainstream, “L’Attentat” nos atenta (gosto do “trocadilho”!) num vazio existencialista enquanto o espectador em cumplicidade com o protagonista “abraça” o derrotismo que surge após um "choque" com um "mundo subliminar". Ali Suliman (“Paradise Now”) desempenha assim um médico cirurgião palestino que renega as suas raízes para sobreviver numa sociedade cada vez mais no limiar, mas que é forçado a invoca-las para entender com que razões levaram a sua amada mulher a cometer um atentado suicida que vitimou uma dezena de israelitas. Uma verdade crua e dura que integra como "fraca" na alma deste homem atormentado, deixado ao abandono e marginalizado pelos dois lados da sociedade que habita. A utopia é só uma miragem.

O olhar de Doueiri não é denunciante, nem sequer engendra o panfletarismo ou usufrui do tema para requisitar maniqueísmo. É um quadro neutral, porém, forte nas suas convicções e na sua mostra, iniciando debates mas nunca terminá-los com opiniões definidas. “L'Attentat” joga com a sugestão das ocorrências e dos actos, mas no fundo o filme funciona como um potente drama sobre um homem em busca da consciência. Uma obra corajosa que encontra-se de momento proibida de ser exibido em grande parte dos países árabes incluindo a de origem do realizador, Líbano.

O Soldado do Inverno na rebelião dos heróis patriotas

Hugo Gomes, 27.03.14

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Atualmente os vulgarmente denominados “filmes de super-herois” representam uma importante fatia da indústria cinematográfica, estando estes longe dos tempos marginais em que estavam reduzidos a uma espécie de segunda divisão da indústria. Estas adaptações de BD, grande parte sob o selo da Marvel, apresentam-se cada vez mais pomposas em termos produtivos e mais ambiciosas em abandonar de vez a catalogação pelo qual são ainda discriminadas. “Captain America: The Winter Soldier” é mais um exemplo deste “case study” da Marvel, a transformação de algo inconsequente mas afetivamente ligado à nostálgica juventude de muitas gerações em cinema de “gente grande”.

Construído a partir da matriz pelo qual o estúdio requisitou nos últimos anos, uma fórmula vencedora por sinal, esta nova versão do heroi criado por Joe Simon e Jack Kirby em 1941 para fins propagandistas da militarização norte-americana na Segunda Guerra Mundial funciona como uma fita vistosa contemplada por doses industriais de artifícios atraentes e primários, denunciando a sua dependência com o marketing envolvido. Porém, é verdade que o nosso Capitão calhou-lhe na “rifa” um argumento mais que razoável, por vezes buscando inspiração aos thrillers dos anos 70 nos quais Robert Redford (a sua presença não é vão) foi por inúmeras vezes protagonista. Para além disso, este é dos poucos filmes da Marvel que pode ser visto sem a conexão das outras sagas implantadas, iniciando-se de forma energética onde por momentos temos a sensação de assistir a alguma ação “old school” (corpo-a-corpo e muito tiroteio numa dinâmica sequência inicial).

Mas isso termina rápido, porque “The Winter Soldier” tem mais na agenda do que ser propositadamente mais um filme de ação para veteranos de Guerra. Aliás, temos espaço para tudo – um pouco de drama a “três pancadas” (a fórmula bigger than life), o humor de intervenção e corriqueiro sem brilho, e uma conspiração que se avizinhava complexa mas que afinal é mais uma eventual dominação do Mundo como toda aquela “carrada” de vilões da saga James Bond. Para dificultar, temos ainda uma câmara que não sabe se é “carne ou peixe”, ou seja, neste caso, ou é estática ou de ombro, o que corta o tom das inúmeras sequências de ação competentes.

Resumidamente, tudo parece um episódio alargado (mas do bom lote) do terrível spin-off televisivo S.H.I.E.L.D., com uma certa propaganda norte-americana à mistura (visto a personagem original ter essas origens). “The Winter Soldier” é o típico produto do estúdio, bem lubrificado (os atores cumprem as suas funções e a intriga desespera em procurar a sua espetacularidade) e visualmente deslumbrante para as vastas audiências. Porém, não figura entre os melhores da Marvel, mas também está longe dos piores. Para herois nacionais sempre preferi o nosso Major Alvega.

Aconteceu num aniversário ... de um amigo meu!

Hugo Gomes, 23.03.14

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O que poderemos extrair em todo este “My Best Friend’s Birthday” é uma determinada e peculiar cena em que o próprio Quentin Tarantino (sob a persona de Clarence, um radialista que imaginou o suicídio aos 3 anos de idade) abre a porta do seu quarto e num vibrante panorama fazemos uma tour pelos posters de filmes pendurados nas suas quatro paredes. Este foi o convite que precisávamos para entrar num universo, uma fantasia que irá nos acompanhar durante 30 anos, a dita cinefilia tarantinesca. 

Mas antes de chegarmos às ficções pulp e aos cães raivosos em golpes falhados, fazemos uma paragem por este “My Best Friend’s Birthday”, hoje convertido na curta inaugural do seu cinema (isto sabendo que o detentor de tal título, “Love Birds in Bondage” em ‘83, fora alegadamente destruído), um feito que o próprio recusa mencionar. De muito baixo orçamento e concebido através de ajuda de terceiros e favores em cadeia, Tarantino recorreu a uma mirabolante teia de ideias tecidas desde o início da sua consciência cinematográfica, ou seja, referências aqui, ou referências acolá, esta intriga de uma festa de anos que resulta numa catástrofe em fora de plano é uma citação ao Cinema com o qual cresceu ou que segue atentamente (existe por estes recantos uma admiração por um certo cinema nova-iorquino vindo das escolas, como Spike Lee e o seu “She’s Gotta Have It”). 

Hoje restam apenas 36 minutos de filme, o que gerou durante anos um mito de que grande parte deste se perdera num incêndio, porém, o argumentista e produtor Roger Avary (responsável pela fotografia de “My Best Friend’s Birthday”) revelou que a sua não-conclusão foi derivada a inexistências orçamentais. Mas o que aprendemos com este suposto fracasso, é que a partir deste nasceu a sede de filmar de Tarantino (e o resto é História). Vale a pena referir que em 1993, o realizador reciclaria a ideia deste aniversário de amigos para escrever “True Romance”, de Tony Scott.

Um romance de “cabeça para baixo”

Hugo Gomes, 15.03.14

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Se Shakespeare vivesse no nosso tempo e tivesse ideias alienadas acerca de realidades alternativas, então a premissa de “Upside Down: Um Amor entre dois Mundos” não ficaria muito longe dessa suposição. A história centra-se no casal Adam e Eden que vivem um romance proibido, não apenas por ambos pertencerem a classes sociais diferentes e a sociedade em que cada um habita, reprova tal relação, mas porque vivem em mundos-gémeos opostos cuja gravidade os puxa para os seus lados.

Um blockbuster independente, como havia citado o realizador Juan Diego Solanas durante a sua produção, “Um Amor entre Dois Mundos” é um exercício visual de perder o fôlego onde graças aos efeitos visuais engenhosos consegue-se criar um cenário criativo, original e na sua forma … belo. Dentro dessa mesma distopia concentra-se uma crítica social onde as diferentes gravidades servem como alusões à distância entre as divergentes classes sociais. Porém, como é o caso de muitos exercícios do foro visual, a fita fica-se simplesmente por um ideia e todo o entusiasmo envolto desta, sendo incapaz de aprofundar não só as mensagens subliminares que se encontram aqui mas também o próprio romance, frágil como o seu rigor narrativo. Narrativa essa que parece ter sido criada com o efeito de única e exclusivamente tirar partidas daquelas lindas imagens surrealistas e do simbolismo para com o romance exposto.

Depois da beleza ser por fim explorada e do conteúdo não possuir mais cartas a dar, o filme faz o seu golpe suicida, decidindo cair num desfecho fácil, incoerente, demasiado preguiçoso e falso para justificar a distopia social. Parece que Juan Solanas tinha razão – blockbuster independente – espírito disso até tem. Vale pelo esforço de Jim Sturgess (enquanto que em relação a Kirsten Dunst ficamos unicamente pelo sorriso) e do carisma de Timothy Spall, porque de resto é simples fogo de artifício!

A despedida da Mãe

Hugo Gomes, 12.03.14

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Věra Chytilová

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Fruit of Paradise (Věra Chytilová, 1970)

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Daisies (Věra Chytilová, 1966)

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Pearls of the Deep (Věra Chytilová, Jiří Menzel, Jaromil Jireš, Jan Němec, Evald Schorm, 1966)

Despedimo-nos da rainha do surreal, do abstrato, do ativismo, da feminilidade, do político, do transgressivo, das “margaridas” e das mesas postas, do cinema sobretudo, e como essa arte é a sua determinada linguagem. Věra Chytilová, a mulher, a mãe do novo cinema checo, parindo estéticas e nutrindo amor pela luta de câmara na mão. Chytilová, sempre!

Věra Chytilová (1962 – 2011)

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