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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cadences Obstinées ... a obstinar “talento”

Hugo Gomes, 31.03.14

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Cadences Obstinées marca o segundo trabalho da atriz Fanny Ardante como realizadora, a última das musas de François Truffaut e o motivo de vénia no "La Grande Bellezza" de Paolo Sorrentino, quatro depois da sua estreia em Cendres et Sang. Enquanto no seu primeiro produto, a diva usufruía das influências teatrais para esboçar um filme metódico e agarrado a ciclos (onde a estética é acima de tudo valorizada), nesta pseudo-intelectualidade remetida a “parte alguma” assenta puramente no artístico das suas imagens sem possuir decerto, palavras para o preencher.

É a história de amores perdidos, entregues com paixão mas dissipados pelo tempo e pelo ócio, que nos transporta para um triângulo amoroso a régua e a esquadro onde personagens e interesses são substituídos por “bonecos” automatizados sob consciências vazias. Em Cadences Obstinées, produzido por Paulo, tudo soa a falso, a presunção intelectual escorrida sem mensura, a citação de frases algures entre a pretensão poética ou o somente “pacóvio” sem dó nem piedade, os atores náufragos (Asia Argento por outro lado comete jogging sem compaixão) e uma intriga esgotada a fim de 10 minutos.

Sim, é tudo perda de tempo, é o caminhar sob disfarces e mantos com Fanny Ardant a autoproclamar-se de autora, sem o conhecido básico de sê-lo nem as razões para tal, a esconder-se no improviso experimental a fim de evitar a sua inutilidade. Ao menos poderia ter tirado partido da sua experiência enquanto esteve ao lado de cineastas de vanguarda como Truffaut, Resnais ou Varda, assim saberia verdadeiramente transgredir as regras pelo qual muito vezes o cinema encontra-se acorrentado, mas “bolas!” nem oito nem oitenta.

Falando com Ziad Doueiri, o libanês que deseja mais do que ser o "protegido de Tarantino"

Hugo Gomes, 28.03.14

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O Cinematograficamente Falando … conversou com o cineasta libanês Ziad Doueiri, que se encontra em Portugal para apresentar a sua última obra, “L'Attentat” (“O Atentado”), o filme de abertura do Judaica: 2º Mostra de Cinema e Cultura (27 - 30 de Março) para depois estrear nas nossas salas de cinemas a partir do dia 3 de abril. Oriundo da capital libanesa, Beirute, Doueiri seguiu com 20 anos para os EUA para formar-se em Cinema pela Universidade de San Diego.

Iniciou-se no ramo em 1987 como electricista na comédia de Tina Hirsch, “Munchies”, para depois destacar como operador e primeiro assistente de câmara em inúmeras produções de Hollywood, nomeadamente os diversos filmes de Quentin Tarantino, o qual é diversas vezes denominado por "Tarantino Protégé" (The Hollywood Reporter). Face a tal título, o autor pediu para não o associarem ao realizador de “Pulp Fiction”, chegando a sugerir a utilização de uma t-shirt com "I'm not associated to Tarantino" impresso para as futuras entrevistas, contudo confrontando com a questão "como foi trabalhar com o cineasta norte-americano", Doueiri revelou que era apenas um "tecnical guy", mas que adquiriu boas experiências nessa sua fase. 

Depois dos referidos trabalhos técnicos, Ziad Doueiri estreou-se como realizador a solo em 1998 com “West Beirut”, uma obra tremendamente elogiada que contou com um vistoso currículo no circuito dos festivais de cinema, tendo consagrado com o Prémio François Chalais no Festival de Cannes desse mesmo ano. O realizador voltaria a dirigir em 2004 com “Lila Says”, também ele bastante elogiado, ambas as obras o tornaram confiante e possivelmente apto de adaptar um livro tão delicado como “L'Attentat” de Yasmina Khadra, a história de um médico palestino, Amin Jaafari (Ali Suliman, “Paradise Now”), que tenta provar a inocência da sua falecida mulher, acusada de atentado suicida, nem que para isso tenha que descer às "profundezas" do fanatismo religioso.

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L'Attentat (2012)

O filme que se assume como um drama intimista com toques de thriller, expõe ao espectador inúmeros dilemas do foro social, político e religioso, mas Ziad Doueiri desaprova essa "perspectiva política", ao invés disso, o autor refere uma visão dramática, a criação de uma ênfase dramática arrebatadora sobre um homem em busca das várias vertentes da verdade, nada mais. Salienta a força do enredo e do ator em conjunto com a sua personagem, que de optimista se converte num "moralmente falecido", sendo possível "sentir o personagem face à sua decrescente jornada". Em relação ao optimismo inicial do protagonista, Ziad Doueiri não partilha a tal visão em relação ao seu país de origem, porém esta foi a única sugestão político-social que declarou durante toda a conversa, tendo negado as supostas segundas intenções no seu drama.

O realizador afirma que o seu trabalho foi sincero, incapaz de enviar tais mensagens ao espectador, aliás como o próprio acrescenta "nem eu sei que mensagem devo enviar". Segundo este, a ideologia que muitos espectadores, críticos e jornalistas constataram no seu filme advém simplesmente das personagens e da trama forte que conseguiu construir, referindo Oliver Stone como um dos exemplos deste seu modus operandis, "uma sólida história e personagens frente a uma mensagem". O realizador ainda abdica da coragem de que foi apontado, "não sou corajoso, nem é a coragem que preenche a minha agenda como realizador", mas adianta que "filmes como estes não são fáceis de fazer", e confrontando com o facto de vir a surgir eventuais consequências em remexer sensibilidade sociais, a religião é e sempre será uma "dor de cabeça", revela não sentir qualquer receio em relação a isso.

Quanto aos estereótipos árabes nos filmes ocidentais, Ziad Doueiri afirma que os "americanos estão a mudar a sua perspectiva em relação aos árabes" e que por isso a invocação de tais estereótipos é completamente descabida mesmo em Hollywood. Para finalizar o realizador anunciou, sem aprofundar, pormenores acerca do seu futuro projecto, “L'Insulte”, que será filmado em Beirut, "um drama de tribunal que estou a escrever com a minha mãe", sendo o Direito algo geracional para ele, revelando as suas origens, uma família quase toda ela ligada ao ramo (a mãe é advogada e os tios que são juízes).

Era uma vez ... um atentado

Hugo Gomes, 27.03.14

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O já muitas vezes apelidado de “prodígio de Tarantino” (devido ao trabalho que exerceu como assistente de câmara em inúmeros filmes do realizador nos anos 90), Ziad Doueiri adapta o polémico best-seller de Yasmina Khadra para o grande ecrã, convertendo a jornada de um homem às profundezas de uma sociedade regida pela religião fervorosa e pelo ódio entre culturas num thriller intimista que apela pertinentes questões e que nos outorga respostas através da emoção.

A terceira longa-metragem de Doueiri enquanto realizador-a-solo (marcando 14 anos desde a sua aclamada estreia com “West Beirute”, abordando a Guerra Civil do Líbano, a nacionalidade do realizador, nos anos 70), é um filme arranca sob um signo esperançoso, retratando a cidade israelita Tel Aviv como um último reduto utópico para israelitas e palestinos. Mas com o desenrolar de um enredo que nos alude ao thriller mainstream, “L’Attentat” nos atenta (gosto do “trocadilho”!) num vazio existencialista enquanto o espectador em cumplicidade com o protagonista “abraça” o derrotismo que surge após um "choque" com um "mundo subliminar". Ali Suliman (“Paradise Now”) desempenha assim um médico cirurgião palestino que renega as suas raízes para sobreviver numa sociedade cada vez mais no limiar, mas que é forçado a invoca-las para entender com que razões levaram a sua amada mulher a cometer um atentado suicida que vitimou uma dezena de israelitas. Uma verdade crua e dura que integra como "fraca" na alma deste homem atormentado, deixado ao abandono e marginalizado pelos dois lados da sociedade que habita. A utopia é só uma miragem.

O olhar de Doueiri não é denunciante, nem sequer engendra o panfletarismo ou usufrui do tema para requisitar maniqueísmo. É um quadro neutral, porém, forte nas suas convicções e na sua mostra, iniciando debates mas nunca terminá-los com opiniões definidas. “L'Attentat” joga com a sugestão das ocorrências e dos actos, mas no fundo o filme funciona como um potente drama sobre um homem em busca da consciência. Uma obra corajosa que encontra-se de momento proibida de ser exibido em grande parte dos países árabes incluindo a de origem do realizador, Líbano.

Um romance de “cabeça para baixo”

Hugo Gomes, 15.03.14

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Se Shakespeare vivesse no nosso tempo e tivesse ideias alienadas acerca de realidades alternativas, então a premissa de “Upside Down: Um Amor entre dois Mundos” não ficaria muito longe dessa suposição. A história centra-se no casal Adam e Eden que vivem um romance proibido, não apenas por ambos pertencerem a classes sociais diferentes e a sociedade em que cada um habita, reprova tal relação, mas porque vivem em mundos-gémeos opostos cuja gravidade os puxa para os seus lados.

Um blockbuster independente, como havia citado o realizador Juan Diego Solanas durante a sua produção, “Um Amor entre Dois Mundos” é um exercício visual de perder o fôlego onde graças aos efeitos visuais engenhosos consegue-se criar um cenário criativo, original e na sua forma … belo. Dentro dessa mesma distopia concentra-se uma crítica social onde as diferentes gravidades servem como alusões à distância entre as divergentes classes sociais. Porém, como é o caso de muitos exercícios do foro visual, a fita fica-se simplesmente por um ideia e todo o entusiasmo envolto desta, sendo incapaz de aprofundar não só as mensagens subliminares que se encontram aqui mas também o próprio romance, frágil como o seu rigor narrativo. Narrativa essa que parece ter sido criada com o efeito de única e exclusivamente tirar partidas daquelas lindas imagens surrealistas e do simbolismo para com o romance exposto.

Depois da beleza ser por fim explorada e do conteúdo não possuir mais cartas a dar, o filme faz o seu golpe suicida, decidindo cair num desfecho fácil, incoerente, demasiado preguiçoso e falso para justificar a distopia social. Parece que Juan Solanas tinha razão – blockbuster independente – espírito disso até tem. Vale pelo esforço de Jim Sturgess (enquanto que em relação a Kirsten Dunst ficamos unicamente pelo sorriso) e do carisma de Timothy Spall, porque de resto é simples fogo de artifício!

Sem ou com crachá

Hugo Gomes, 07.03.14

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Como já dizia Jack Nicholson em The DepartedWhen I was your age they would say we can become cops, or criminals. Today, what I'm saying to you is this: when you're facing a loaded gun, what's the difference?”, conselho que parece fazer sentido face a um filme como este Street King, em que policias e criminosos pouco ou nada se distinguem. Uma mistela cada vez mais usual para se expor como uma denuncia a essa diluída equação binária. Porém, muitos seguiram estas mesmas pisadas, a quebra do fascínio da violência e do vigilatismo de ‘70 e o choque frontal com 11/09/01, levaram a América, neste caso a Hollywood, a dissecar o seu próprio sistema de combate à criminalidade com um olhar não tão ingénuo assim.

É o auscultar das “cicatrizes interiores”, é a ambiguidade como veste para a conceção de “novos heróis” … ou mais precisamente a desconstrução dos velhos e do próprio conceito. Antoine Fuqua e agora este emancipado David Ayer, um novo subgénero dentro do formatado policial. Pena, que em Street Kings, a permanência de um estilo não o resgata da “garras” do corriqueiro.