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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O “artista” Wang Bing deambula pela crise migratória

Hugo Gomes, 24.10.16

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Vamos ser claros, Wang Bing é daqueles documentaristas com iniciativa, em constante busca por temas transgressivos e, alguns deles, tabus de uma China em plena crise identitária e moral. Sim, ele é incansável no seu trabalho de terreno, nas horas de filmagem, na abrangência do seu olhar que neste caso é a lente da sua câmara, tão operacional como ele. Porém, falta-lhe objetividade, sobretudo no campo da edição. Existe nele uma possessão de material realmente forte, o que o impossibilita descartar algum do seu tempo de filmagem em prol do produto final. Em consequência, são filmes como estes, de temas fortes, mas sem a força necessária para que o espectador “abrace a causa“. Talvez seja por isso que Wang Bing filma tanto, as suas criações não são centradas, nem devidamente frontais para com que realidade que o próprio encara, são objetos deambuladores, etnograficamente ricos como documentos de igual matéria, longe da provocação que precisa para realmente ser ouvido.

O documentarista chinês não faz “épicos de violência social“, faz ensaios cansativos e completamente desarmados de temas que deveriam ter o seu “quê” de alarme, e neste caso - “Ta’ang” - este registo do exílio levado a cabo por famílias inteiras burmesas, como escape da guerra civil, parece apenas servir como uma decoração para ferir os mais susceptíveis. São quadros vivos, mas dentro deles, existem pessoas que lidam com a sua desgraça, uma má sorte que para Wang Bing são matéria que compõem o seu mais recente ensaio de “poverty porn“, um embrião dos reality shows dotados de uma certa tendência fetichista. A envolvência neste mundo em “cacos“, onde as “personagens” tendem em lidar com as suas próprias situações, deixando para trás partes íntegras das suas vidas em busca de quem os acolhe, algo mediático tendo em conta a crise dos refugiados que nos bombardeia os medias, sendo que “Ta’ang” revela-nos um caso específico ignorado por estes mesmos. Uma viagem desesperante sem fim, que o realizador filma com a maior das tranquilidades. Sentimo-nos cúmplices perante este mau trabalho de investigação, onde os testemunhos secam perante o “on” prolongado da câmara, sem qualquer indício de moderação nem coordenação.

Talvez, Wang Bing não queira manipular esta realidade, e nisso faz ele muito bem, porém, o que adianta mostrar por mostrar, o que adianta captar este novo-realismo que não nos eletriza, ao invés disso, nos entendia da forma mais emocional possível. Será Wang Bing um voyeurista da desgraça alheia? Pelos vistos sim, nada aqui aponta-nos estarmos cara-a-cara com o documentarista do novo século como fora aclamado desde sempre.

Cinema, porque sim!

Hugo Gomes, 26.10.14

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Reza a lenda que foi um casaco sobre a câmara a servir como uma forma de protesto para João César Monteiro. O resultado dessa sua revolta, e nem menciono a expressão verbal captada pelas televisões, foi acompanhado por um mediatismo canibal que posicionou o seu “Branca de Neve” como; a) o grito sufocado de um autor contra o sistema, b) a demasiada liberdade dos cineastas portugueses, c) a auto-destruição do próprio Monteiro, tendo sido esta a sua última obra. Conforme seja a opção, avançamos assim adiante.

Caso idêntico é o de Wang Bing, o documentarista chinês que tanta estima tem no Doclisboa e que fora impedido de gravar o seu último trabalho, possibilitando-o apenas organizar o material que havia recolhido. Este é o seu “filme-protesto”, uma “colheita” de somente uma hora e meia de duração, o que parecia boa notícia para quem estava habituado aos seus pastelões isentos de edição. Contudo, termina por ser um grito silencioso e penoso de alguém que claramente deseja a atenção de todos nós, mais do que expandir a sua mensagem (se é que a tem). Sim, mesmo tendo uma hora e meia, “Fu Yu Zi” (“Father and Sons”) é aborrecido, monótono e com todos os adjectivos associados a esse mesmo sentimento. Porquê? Porque invoca um exaustivo novo-realismo, cada vez mais na moda cultural e onde tudo se resume a dois ou três planos – cujo um deles se arrasta por 80% da narrativa.

Nesse mesmo plano somos confrontados com uma criança a viver em condições desumanas, mas que mesmo assim tem ao seu dispor uma televisão e um telemóvel. A primeira é perceptível graças ao imparável som que emana; a segunda, só não vê quem é cego. O plano em questão é fixo e de conjunto (academicamente falando), onde a dita criança assiste e “remexe” no seu telemóvel. E, somente isto. Por uns bons quarenta minutos. Até que, em certo momento, surge outra criança no plano, o irmão, como claramente se percebe. Mas ele limita-se a reunir-se ao “velho residente” e ambos acabam por continuar a rotina já retratada (citando João César Monteiro – “queriam telenovela?“).Esta sequência é tão longa que chegamos mesmo a presenciar o anoitecer em tempo real.

Por fim chega o suposto pai das crianças, o trabalhador que seria o protagonista deste novo filme de Wang Bing, o “herói mártir”, se não fossem as ameaças do seu respectivo patrão que impediram do cineasta “recolher” mais filmagens. Continuando, é então que o pai chega à ação e termina com o desligar de luzes, assim como o filme. Rápido? Nem por isso, basta lançar um olhar para o relógio para nos apercebermos que passaram hora e meia de duração.

Tempo, foi aquilo que insinuaram no início da sessão no Doclisboa. Sob um jeito metafórico, filosófico ou esotérico, uma coisa é certa: esse tempo não será devolvido. Agora, ou aceita-se ou dispersa-se da elite. A verdade é que Wang Bing já não se esforça, nem mesmo para protestar, mas talvez o problema seja do próprio festival em colocar um chamado “filme-protesto” em plena competição internacional de longas-metragens. Com “Fathers and Sons”, Bing continua a fabricar reality shows sobre a miséria humana e a vender-nos como se de um Van Gogh se tratasse. Obviamente, é o sistema de autor a funcionar como marketing cinematográfico. Quer queiram, quer não.