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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Djon África": rastreando pelos “fantasmas” da nossa génesis

Hugo Gomes, 28.02.18

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“Djon África” é, em apenas um filme, o caminho inverso percorrido pelo Cinema de Pedro Costa, com Miguel Moreira, fiel colaborador da dupla João Miller Guerra e Filipa Reis, a nos servir um Ventura.

Contudo, apesar desta minha declaração, não se iludam em encontrar outros paralelos entre estes referidos cineastas. Aliás, seria preguiçoso cairmos em tais comparações como se porventura o cinema português fosse reduzido a dois, três ou quatros nomes. Mas uma coisa é certa, “Djon África”, a viagem de um cabo-verdiano radicado em Portugal, que parte numa busca às suas origens num país que nunca conheceu, mas que mesmo assim o vive culturalmente, é mais um registo docudrama, estilo que em Portugal sempre se soube fazer bem.

É a realidade contagiada, ou a verdade encenada, para nos impor uma dimensão osciladora por entre essas visões. Miller Guerra e Reis não são novatos nesse mesmo universo, apesar desta ser a sua primeira longa-metragem – a dupla havia germinado desde então um “ecossistema” fiável por entre a sua filmografia. Personagens salteadas, o retrato de um país marginalizado que se esconde nas sombras, a identidade que se interpela por assuntos de caráter de inserção social, elementos, esses, invocados e fantasmagorizados nesta jornada existencialista e sobretudo etnográfica (muito graças ao argumento de Pedro Pinho). Miguel Moreira comporta-se como um ser fragmentado pela pessoa que é fora das câmaras e da personagem que veste a pele ocasionalmente, mas acima de tudo é um peão-guia para o espectador, e veículo emocional para os realizadores que trabalham tamanhos sentimentos instintivos como outra viagem para além horizonte (o ator nunca conhecera Cabo-Verde, a câmara capta essa surpresa, fascinação e experimentação).

Talvez exista em todo este caso um filme sobre “retornados” e de uma cultura transcendente, mas nem sempre transladada (como a cultura cabo-verdiana persiste em vários bairros sociais portugueses), que nos convida mas que nunca nos conforta totalmente (o espectador é sempre tido como um turista em relação a esta “apropriação cultural”); Miguel, cuja ilegalidade não o faz verdadeiramente português e o seu desconhecimento não o faz cabo-verdiano, um sem pátria recusado pelas duas margens, e que mais cedo ou mais tarde sucumbe numa existencial “prisão invisível”. Um efeito xamânico que apodera-se da narrativa, transformando o filme, que vai perdendo gradualmente a sua vertente documental, da mesma forma que Miguel se converte integralmente numa personagem fictícia (tendo em conta o que deparamos no cinema de Pedro Costa, Cabo Verde continua a reservar os seus “fantasmas”).

Eu conheço o meu pai. Eu sou o meu pai”, a frase proclamada que define todo o rumo de Djon África, simultaneamente, a trajetória do cinema de Miller Guerra e Reis, o ensaio social que vai adquirindo o seu gosto pela “farsa”, a ficção como espelho do seu cinema. Quanto ao resto … fica ao critério do espectador.

"Frost": uma fria viagem pela fronteira do conflito

Hugo Gomes, 27.02.18

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Para poder dialogar com este “Frost”, a mais recente longa-metragem do lituano Sharunas Bartas, necessitamos revisitar um outro filme, “Maidan”, de Sergei Loznitsa. Ao contrário de Bartas, o bielorrusso é, como evidente na sua filmografia, um provocador ideológico que se concentrou na multidão do Kiev, em fevereiro de 2014, a fim de traçar uma catarse romântica ao movimento insurgente que ali despoletou. É óbvio que mesmo sendo a nós apresentado imagens captadas dos eventos e tumultos que sucederam, essa fascinação pela força em massa a relembrar os hinos cinematográficos de Sergei Eisenstein possuía um carácter algo tendencioso quanto à natureza deparada neste cenário.

Frost” parte inicialmente dessas imagens, dessa “romantização” para responder, não no sentido concreto, mas subversivo, ao que acontecera à Ucrânia pós-Kiev, como ela sobrevive ou resiste à sua devastadora divisão e à ilusão do sonho de massas. Sharunas Bartas utiliza tal visão profética para induzir-se como uma espécie de macguffin, não um objeto, mas um destino que levará o seu par de protagonistas “on the road”. Pelo caminho, o filme vai adquirindo um certo gosto pelo cinema de contemplação, onde os cenários ecoam como silenciosos testemunhos do que se avizinhara e Bartas é meticuloso, paciente e submisso a tais jornadas na vastidão. A ficção, a distância encontrada num casal que espera-se ressurgir com a força de outrora, funciona como uma metaforização da dita fragmentação ucraniana, porém, este coming-to-age “terapêutico” vai sendo destituído para segundo plano da mesma forma que o filme vai atingido um outro patamar, o da reportagem.

Se é certo que Bartas não anseia criar um documentário puro ou a invocação do chamado cinema verité que Loznitsa havia manifestado no seu olhar à praça, “Frost” abandona a sua caloricidade ficcional para embarcar num gélido registo de jornalismo participativo. Mas primeiro, existe o estágio, um prolongado workshop retalhado em diálogos ocasionais e frases soltas. Os nossos protagonistas reúnem-se com jornalistas e personagens de carácter aburguesado a meio do seu caminho, de forma a recolher as ferramentas necessárias para a investigação. “Primeiro vemos o lado Ucrânia”, refere um desses “instrutores”, farpas lançada a muito da perspetiva ocidental que descortina maniqueísmos nas manifestações Maidan e pós, como posição fundamentalista e radical ao lado russo (com a disputa da Crimeia à cabeça).

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Podemos até garantir que no cinema, não existe tal coisa que é a ambiguidade política pura, mas Bartas frisa a curiosidade como veículo a tal, o espectador será a projeção moralista e político-ideológica do resto da estrada. E é então que “Frost” enviesa o seu lado jornalístico e abandona por completo as personagens à sua sorte, e novamente citando os seus anteriores “instrutores” – “Jornalismo não é mais uma vocação, tornou-se numa oportunidade” – o lituano oportunista tende em iniciar a sua própria inquirição, a informação de um jornalismo democrático dos tempos que decorrem. Assim, o filme emancipa-se do comité road trip para envergar a linguagem da reportagem, abordando através do material alcançado, questões como o patriotismo e a militarização (neste último ponto fugindo da inevitável demonização).

E ao assumir-se como um cinema-reportagem, uma docuficção sem discursos evidentes de género, Sharunas Bartas condena a sua narrativa e deixa em suspenso a imunidade das suas personagens-criação. Um dos casos em que o lado documental engloba por completo qualquer ambição ficcional, trazendo à tona nos últimos minutos a delicada estética pelo qual o realizador nos deliciou em filmes como o tarkovskianoTry Dienos” ou “Few of Us”, encerrando num belíssimo plano-zénite, onde a geada acaba por cobrir os olhares curiosos oriundos do outro lado – nós enquanto espectadores.

De certa forma, “Frost” enchem-nos com essas duas realidades, aludindo ao discurso da francesa Vanessa Paradis, a única estrela embutida no projeto, onde o amor e a tristeza integram o mesmo universo. Nesse sentido, é de esperar que o Cinema como motor de historietas e o jornalismo na busca da sua própria verdade, coexistem num mesmo e pleno seio.

Lawrence & Lawrence ao lado dos bolcheviques

Hugo Gomes, 23.02.18

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A qualquer momento sentimos que Red Sparrow anseia explodir do seu formalismo técnico (invejável tendo em conta as muitas produções do género), mas nada disso, o objecto torna-se dentro do seu registo uma astuta ode à "Força do Sexo Fraco", um universo onde o masculino revela as suas maiores fraquezas e esclavagismos. Pena que a visão meio "gringa" de uma Rússia permanecida no "sovietismo" atrasa essa mesma astúcia.

 

 

"Mariphasa": tornar a escuridão amiga do espectador

Hugo Gomes, 22.02.18

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Em entrevista ao C7nema, o argumentista Tiago Santos (colaborador habitual dos filmes de António-Pedro Vasconcelos), especificou o medo de um certo cinema português no simples ato de contar uma história (com isto dificultando o trabalho de argumentista no mercado cinematográfico nacional), obviamente alicerçado com outros problemas fundamentais.

Em “Mariphasa”, a segunda longa-metragem de Sandro Aguilar, o enredo é algo coexistente com a ambiência de um filme que envia o espectador, literalmente, a um mundo às escuras, ao invés de se assumir na imperatividade do guião. Fragmentado e envolvido num eterno jogo de mistério, Aguilar, exercitado após 14 curtas, uma longa, e claro, um trabalho excepcional na produção nacional, envolve-se numa obra em que os cenários se alargam infestando toda uma suposta clareza narrativa.

Contudo, e talvez repescado a sua primeira longa de estreia, “A Zona”, onde um simples lugar passa automaticamente a um não-lugar e sucessivamente a um estado de alma, em “Mariphasa” esse ciclo de passagens é desfasado por uma tendência de codificação. O espectador não possui nenhum alicerce, é somente atentado em seguir o percurso até ao fim, abraçando essas trevas, essa experiência, ou renegando todo este efeito, da mesma forma que o desconhecido se converte num medo mortalizado.

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Confessamos que neste trabalho de Sandro Aguilar há todo um esforço conjunto por todas as partes, desde a fotografia [admirável] de Rui Xavier, até à sonoplastia aliada desta atmosfera tenebrosa (Miguel Cabral e Tiago Matos) e obviamente um elenco empenhado em atribuir vida a estas personagens em cacos, do ponto vista argumentativo. É cinema sensorial, isso sim, damos a mão à palmatória ao realizador (também autor do argumento), mas dentro desta panóplia de sensações, um território povoado por monstros em busca da sua respetiva redenção (o próprio título é a palavra-chave de toda esta conversa, mais precisamente por invocar a planta-antídoto à maldição do Homem-Lobo na versão de 1935), existe uma venda que o impede de se tornar mais do que o mero exercício técnico.

Em “Mariphasa” nada é gratuito, aliás, nada é dado como adquirido, há que merecer o filme, mesmo que o resultado seja mais próprio que universal.

Dicotomia do amor/ódio em tempos de guerra

Hugo Gomes, 22.02.18

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Para todos aqueles que me apelidam de "rezingão do Cinema", aviso já que este ano tem-se mostrado vital para a minha "fé". Sharunas Bartas e o seu Frost enchem-me com um amor tão triste, e uma tristeza tão amorosa em relação ao conflito pós-Maidan. Crítica e ambiguidade politica, assim como a quebradiça condição do jornalista em tempos de Guerra (e porque não, aos tempos do jornalismo participativo que se vive), são alguns dos calafrios que trespassam a nossa "espinha".

Agora fica a questão: onde anda Vanessa Paradis e o seu capucho?

Cinema dos "pequeninos" ...

Hugo Gomes, 20.02.18

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Se os recursos naturais do Planeta são incapazes de satisfazerem as necessidades da sobrepopulação humana, a única solução (sem a cedência ao radicalismo) é encolher-nos. E são estas miniaturas humanas que servirão de enfoque para uma variação do género de ficção científica, prestes a abandonar a sua coerência exata em prol da difusão da mensagem ecológica, que por mais urgente que seja, é sempre transposta sob a capa propagandista.

Mas se iríamos encontrar um reflexo da nossa presença enquanto seres destruidores e de apetite voraz aos recursos providos da Mãe Natureza, “Downsizing” vira o jogo numa tendência de encontrar no seu seio uma mensagem relevante. Pois, este é um filme em constante procura pela sua importância. Sob tamanha ambição, um inacreditavelmente anónimo Alexander Payne converte-se num incansável malabarista. O arranque é óbvio, a mensagem ecológica que depressa perde a sua pertinência (vá esta entrar nos vértices políticas da agenda de Al Gore). Assim, o filme engrena-se numa propaganda social sem espinhas e sem reflexões para mais. Depois, o romance toma o seu lugar, servido como resposta óbvia para todos os fins. Mais uma vez, não há aí relevância, e é então que seguimos aos campos de autoajuda emocional e sobretudo espiritual.

Ou seja, tanto malabarismo e o resultado é tudo menos meritoso. Aliás, “Downsizing”, apesar das promessas, comporta-se como um espécime insignificante. Nada disto interessa, nenhuma das personagens merece a nossa preocupação, compaixão (as causas de Matt Damon são mais patéticas que inspiradas) e o previsível fim da Humanidade carece da agressividade fomentada pela sua própria ambição. Abel Ferrara conseguiu destruí-la após as chegadas dos ponteiros aos “4:44”, aqui, Payne procrastina essa vontade, suplicando pela clemência da audiência para a sua utopia/distopia.

Pena? Poderemos sentir em relação a Payne, completamente reduzido a um tarefeiro, despindo o seu cinismo para vestir a maior falsidade de todas. Nada contra mensagens ecológicas, mas em Cinema tudo torna-se vago e redundante e este filme é tudo isso num só pacote.

O Estado da Luta

Hugo Gomes, 18.02.18

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O Estado das Coisas (1982)

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Hammet (1982)

A denúncia é uma carta fechada no envelope que mais se enquadra, e Wim Wenders apenas a preparou da maneira que lhe mais condiz. O Estado das Coisas resultou nessa expressão, essa manifestação a três dimensões. A três, porque o filme refere uma ficção dentro doutra ficção que por sua vez sustentam um retrato de meta-cinema. As experiências vividas pelo realizador naquele que foi o seu primeiro projeto em terras americanas, Hammett, um retrato biográfico de Dashiell Hammett, cujo trauma foram as decisões artísticas frente a Francis Ford Coppola e a Zoetroppe, o produtor. A imposição de um preto-e-branco, mutável para com a natureza do filme, colocou em risco uma colaboração há muito desejada. Coppola, que era Coppola, estava contra à coloração da biografia, o que desde então tornaram esta produção num conflituoso “braço de ferro”. O preto-e-branco de O Estado das Coisas é o statment do artista frustrado e pronto a guerrilhar através do seu cinema.

 

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