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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Fugindo de um ninho de cucos

Hugo Gomes, 29.09.16

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Se caíssemos na esquematização superficial de muita da crítica norte-americana facilmente apelidaríamos o novo filme de Paolo Virzi, “La Pazza Gioia” (“Loucamente”), com a equação “Thelma & Louise meets One Flew Over the Cuckoo's Nest”.

Três anos depois de transfigurar a verdade nas suas variadas ramificações com o filme-mosaico "Il Capitale Umano”, Virzi centra-se no drama road-trip longe das euforias coming-to-age. São duas loucas, para resumir a intriga, “engaioladas” que encontram a liberdade na primeira oportunidade. Durante esta escapatória que se arrasta até ao seu desfecho, Valeria Bruni Tedeschi (atriz que trabalhou com Virzi em o Capitale’) e Micaela Ramazzotti (do muito subvalorizado Anni Felici) tentam reconciliar-se com a vida que haviam “perdido” após os respectivos “enclausuramentos”.

O realizador incide no espectador um autêntico mundo de loucura, não no sentido onírico e surreal, mas quanto ao seu ritmo que parece ganhar velocidade tremenda até a uma eventual colisão. Porém, o percurso faz-se com agrado, sob um tom agridoce que nos envolve e as atrizes que dão o melhor de si para atribuir uma humanidade digna a este duo de personagens, que tão bem residirem num conto de Gil Vicente. Mas, obviamente, que a viagem leva-nos a estradas de terreno batido, altamente caminhadas pelos seus antecessores e rodeadas por paisagens rotineiras, essas, para quem não entendeu esta linguagem viajante, são os dramas secundários que entrelaçam com o destino das protagonistas, o macguffin que as fazem mexer numa jornada ao encontro dos seus fantasmas.

Mas o drama não é suficiente forte, diria mesmo desequilibrado, visto que a personagem mais interessante é diversas vezes confundida como um comic relief, sim, falo de Valeria Bruni Tedeschi, essa diva desvalorizada do cinema italiano, numa variação paranóica de Norma Desmond (“Sunset Blvd.”, de Billy Wilder). Ela é a tragédia em pessoa, infelizmente, pouco explorada nesta “ópera” que termina sob abruptos acordes melosos e no “choradinho” do costume. Tal como acontecera com “Il Capitale Umano”, Paolo Virzi tem uma fraqueza enorme, o seu talento é por vezes superado por uma tendência suicida de crowd pleaser.

Capitão Fantástico e a jornada do cowboy de chapéu castanho sujo

Hugo Gomes, 18.09.16

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Automaticamente encontramos em (“Captain Fantastic”) “Capitão Fantástico”, a segunda longa-metragem de Matt Ross, um ensaio comparativo com a pouca ortodoxa obra de Yorgos Lanthimos, “Canino”, o qual se depara com uma distopia induzida, o como distorcer e controlar o nosso quotidiano, o mundo que olhamos e idealizamos regendo a essas ideias implementadas por órgãos superiores. Enquanto que o grego levava essa vertente para uma alegoria da Caverna de Platão, em Capitão Fantástico a situação declara-se inicialmente como um “grito de guerra” aos costumes ocidentalizados.

Viggo Mortensen é esse “fantástico líder“, um homem eremita que se refugia nos densos bosques americanos, dependendo do seu instinto e intelecto para sobreviver (pronto e uma “ajudinha” a nível de segurança social, pormenores, enfim). Em acréscimo, ele é um pai de 6 crias, o qual educa segundo as suas revolucionárias ideologias, promessas feitas para a sua falecida mulher, juras de uma impotente tendência de “mudar o Mundo” da sua própria formatação. Pois bem, até certo caminho, esta “estranheza” nada nova de Capitão Fantástico conquista-nos com a sua crítica social, ingénua é certo, mas constantemente desafiadora da “perfeita comunidade” que se dá pelo nome de EUA.

Neste percurso, previsivelmente anexado a mais uma road trip (como o cinema norte-americano independente adora viagens pela estrada fora), os alvos são muitos, desde a educação escolar (ou a insuficiência desta) até ao entranhar religioso nos nossos dias (a magnífica ideia de Ben substituir o Natal pelo dia de Noam Chomsky), passando pela falta de senso crítico individualista. Até determinado ponto, Capitão Fantástico sabe “puxar” os fios de forma correta, porém, estamos a falar de um obra de vertente indie, daquela classe que adequadamente figuraria num Festival de Sundance (na verdade o filme chegou mesmo a estrear no dito festival norte-americano), ou seja, tudo acaba por recorrer ao território moralista, mais do que o suposto intimismo.

Quando o macguffin do filme revela-se numa família atípica a lutar para dar à falecida mãe e mulher um funeral digno às suas “crenças“, entra em cena uns supostos antagonistas, os sogros de Ben (interpretados por Frank Langella e Ann Dowd), fervorosos religiosos e de frutíferas posses. A partir deste momento, Matt Ross tenta encontrar um “meio termo” entre o modo de vida pouco ortodoxa levado a cabo pelo protagonista e dos costumes “normais” de uma cultura ocidentalizada deste par de personagens. Falha a crítica, a perspetiva, a ousadia de transgredir o pensamento comum e por fim, a queda para o registo coming-to-maturity.

“Capitão Fantástico”, alusão ao energético álbum de Elton John (Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy), sobrevive graças a uma ideia, a uma sugestão que não é levada avante em derivação do politicamente correto que afronta os nossos dias, sem percebemos que essa atitude de não ferir suscetibilidades converte-se na sua maior ofensa. No final é isto, um filme cobarde apenas erguido com a força do seu protagonista. Pois bem, Viggo Mortensen é verdadeiramente o “fantástico” do título. Graças a Noam Chomsky!

(Mais um) Herói americano by Clint Eastwood

Hugo Gomes, 09.09.16

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Um dos episódios mais impressionantes da História da Aviação aconteceu em 2009, quando o piloto norte-americano - Chesley "Sully" Sullenberger - concretizou com êxito uma arriscada aterragem no Rio Hudson. Estamos a falar do  US Airways 1549, um avião comercial que trazia a bordo 155 almas, porém, devido ao heróico feito de "Sully" que atuou no momento certo, nenhuma delas se perdeu. Uma "boa notícia em Nova Iorque, principalmente com aviões", como é referido a certo momento nestas adaptação de Clint Eastwood, tem recebido um extremo frenesim mediático. "Sully" foi automaticamente elevado a estatuto de herói, tendo até sido nomeado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes.

Mas passando para o filme propriamente dito, Clint Eastwood remexe novamente na História norte-americana para analisar um dos seus heróis recentes. Contudo, este “Sully” está mais próximo de “Flags of our Fathers” (“A Bandeira dos Nossos Pais”) do que o equívoco de “American Sniper” (continuo a acreditar que o filme não foi fruto de Eastwood), o qual procura uma definição concreta de heroísmo, posicionando a câmara para os homens comuns que os "imortalizam". Enquanto que no filme de 2006, o retrato dos soldados que içaram a bandeira dos EUA na ilha de Iwo Jima, os ditos "heróis" questionavam-se perante uma sociedade sedenta pelo estatuto, em "Sully" é a própria sociedade que questiona a natureza do nosso herói, sendo este o conflito que prossegue toda a narrativa, desaguando no limiar existencialista do protagonista.

Tal como sucedera com o fracassado “Flight”, de Robert Zemeckis, é a busca dos factos e responsabilidade acima de qualquer fator humano, mas “Sully” apresenta-nos um "punhado" dessa última dose com Tom Hanks a funcionar como um ator "capriano", a erguer toda a trama em cima dos seus ombros mesmo que para isso torne descartável todo o conjunto de personagens secundárias. No fim percebe-se, que os veios analistas não chegam a ser profundos, as marcas não nos levam ao seu extremo e o classicismo moralista é a solução para uma dedicada homenagem.

Talvez tenha sido “American Sniper”, que fora o embate com um realizador anónimo, que fez com que “Sully” converter-se numa experiência acima da média, mesmo assim interiorizada no cinema norte-americano academista. Mas é Clint Eastwood que se encontra na batuta, quer que se ama, ou odeia, é esse fator humano que conta.

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