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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Pago para Esquecer

Hugo Gomes, 23.11.14

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Quem procurava as habituais “caretas” e outros portes simiescos providos pelo ator, bem podem "tirar o cavalinho da chuva", até porque “Eternal Sunshine of a Spotless Mind” (“O Despertar da Mente”) funciona como um veículo da versatilidade que Jim Carrey detém na sua construção de personagens. Completamente subvalorizado pela Academia e pelo público que assume "venerá-lo", mas que somente espera pelo óbvio replicar dos seus êxitos na comédia, Carrey é agora o servo de uma distopia sobre paradigmas de espaços, tempos e emoções.

Aliás, este é mais que um simples exercício de ficção científica ou de romance, como as etiquetas atribuídas pela "esfomeada" indústria cinematográfica tendem a inserir. Não, Michel Gondry, "acabadinho" de sair do seu desastre crítico e financeiro - “Human Nature” (2001) - que porventura fora a sua primeira longa-metragem, oferece-nos um filme sobre a inteligência emocional, e a emancipação desta das recordações e memórias que nos estabelecem. Sob um argumento de Charlie Kaufman, novamente intrometido em assaltos cerebrais (relembramos o seu “Being John Malkovich”, sob a batuta de Spike Jonze), “Eternal Sunshine of a Spotless Mind” revela-nos sob a brisa da habitual fórmula "boy meet girl", tão recorrente a qualquer comédia romântica. Felizmente, não estamos perante um produto deste género ou estilo, como quiserem apelidar, mas sim do arranque para uma aventura que nos leva ao encontro da própria medula do romance propriamente dito.

Aqui o sentido poético e romantizado de catalisar todas as emoções deste foro para as aurículas e ventrículos do coração são descartados, até porque o cérebro comanda a vida e as nossas emoções, ligadas às respectivas memórias, operando como combustões essenciais para um "motor" constantemente alimentado. Imaginem, se alguém ou alguma coisa, tal e qual um "heist", penetrar nessa mesma massa cinzenta e extrair esses pensamentos, ligados às pessoas pelo qual nutrimos de relações afetuosas, sentiríamos defraudados? Pelo que parece existe quem queira esquecer esses "déjà vus" vincados, e Jim Carrey é um deles.

Sob a pele de Joel, o “coração-em-pedaços” contrata uma empresa especializada em "apagar" memórias. O objectivo deste serviço é a destruição de qualquer vestígio da sua antiga relação - Clementine (infelizmente uma desaproveitada Kate Winslet) - uma mulher instintiva, cuja sua ausência tem feito Joel "gato-sapato", e o esquecimento seria, segundo este, um convite para prosseguir saudavelmente na vida que lhe resta … e que muito lhe resta. Contudo, e durante o processo de "erase", ironicamente transformando-se em epifanías, o protagonista se apercebe, por fim, do inevitável … um dia ele foi feliz com essa agora “infelicidade” sinalizada.  

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A luta, literalmente intrínseca, envolve na preservação de qualquer resíduo desta paixão, nas memórias que o enriqueceram e que o tornaram no homem de hoje. A importância emocional é relevante não só para a construção e para as elipses embutidas no protagonista, mas sobretudo para a própria conduta de uma obra que se adivinha fria, sublinho, tecnologicamente fria. Todo o clímax decorre no interior da cabeça de Joel, um confronto visível entre a emocionalidade adquirida pelas ocorrências impostas no filme e o automatismo do enredo. Uma batalha que requisita o melhor de Gondry, no sentido visual, ilustrando toda esta catarse aos pensamentos de Joel e da sua derradeira luta para manter Clementine na sua mente sob um jeito onírico e inventivamente estético. Esta reinvenção torna a experiência fora dos parâmetros do "faz-de-conta" e segue-se no registo do qual o cinema é veterano, atribuindo às ditas imagens um simbolismo de impulso emocional. O uso tecnológico do CGI encontra-se estampado na narrativa, não como uma cobertura autodidacta que muitas produções hollywoodescas de grande orçamento parecem manifestar, mas servido de bandeja para a concepção de tais ideias, eventualmente transmitidas acima do conceito.

“Eternal Sunshine of a Spotless Mind” é um filme independente até mesmo na sua forma de pensar, na instalação da sua narrativa e na recontagem dos parâmetros românticos que Michel Gondry assume odiar. Nesse sentido, temos uma obra que reúne dois futuros artesãos; Kaufman de um lado, a demonstrar a criativa manobragem em intrigas existencialistas e dotadas de um pálido humor, neste caso a existência está na própria natureza da inteligência emocional, e Gondry do outro, como um VJ que tenta preencher as lacunas da sua imagem (curiosamente Lacuna é o nome da empresa contratada por Jim Carrey) e compensar os seus erros anteriores (o realizador enumerou todos os fatores que conduziram o seu “Human Nature” para o conhecido fracasso). Uma dupla que adopta a febril experimentalidade da encarnação do amor platónico no grande ecrã, sucedendo, em certa parte, ao trabalho inspirado de Sofia Coppola em “Lost in Translation''. E como jeito de curiosidade, ambos os filmes vêm no "sussurro" um forma de twist!

Mas no seio deste confronto de egos artísticos e sede de criação, Jim Carrey a batalhar por um lugar na reminiscência do espectador, possivelmente fazendo-o esquecer que foi em tempos o denominado sucessor de Jerry Lewis. Apesar da sua estrutura anárquica aos modelos do romance estabelecido e estagnado, “Eternal Sunshine of a Spotless Mind” tem tudo para ser considerado um dos mais ricos do seu tempo.

Lembra-me de mim, por favor!

Hugo Gomes, 21.11.14

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Logo de início, Joaquim Pinto alerta o espectador sobre os motivos que o levaram a filmar esta sua jornada de combate ao Hepatite C, ao mesmo tempo que adverte dos eventuais paradoxos que este registo filmado poderá apresentar. Uma declaração sincera de um filme que segue uma humildade transcendente e nisso é evidenciado no seu próprio ego artístico, por sua vez ofuscado pelo objectivo de reencontrar o íntimo, a força para carregar a "cruz" ou o sentido de toda a sua vida. Essas buscas são guiadas pela profundeza do seu ser, regidas pelos códigos cinematográficos que Pinto não consegue controlar: "O Cinema não é democracia, é tropa, com sargentos e generais".

Muito além do banal retrato do "desgraçadinho", o realizador procura em evocar dignidade no seu sofrimento, no seu perecer na rotina e na melancolia crescente, ao seu lado conta Nuno Leonel, companheiro e parceiro nas suas aventuras cinematográficas, é agora o cúmplice desta eutanásia fílmica. O suicídio encomendado de um homem que tem mais a perder na vida do que ganhar com o seu desaparecimento, e é sob esse jeito emotivo, fortemente inspirado num loop sentimental que Joaquim Pinto converte à sua própria religião, "demolindo" todas as colunas pagãs do seu anterior cinema e erguer-se num documentário em tributo do seu "eu" interior. Três horas parecem demais para um filme, mas para um ser humano, essa duração não chega a esboçar uma vida, a captar o sofrimento nem romper as saudades e conseguir a alegria do júbilo vivente.

Mas apesar disso, e tendo em conta que “E Agora? Lembra-me” é um filme aventureiramente pessoal, como obra cinematográfica apenas enfraquece em não conseguir jogar-se a um final digno da própria iniciativa ou como em certos momentos, salientar demasiado a exposição humana como um trivial espectáculo de marionetas. Não é perfeito na sua forma, porém, não o quer ser, mas funciona como uma das cartas de amor mais escaldantes do cinema português. A 7ª Arte como algo mais que um dispositivo para “contar de histórias” ou invocação de arte visual, e sim, um registo de vida.

"20,000 Days on Earth": Empurrar o céu para longe

Hugo Gomes, 17.11.14

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Por norma, quando se pretende concretizar um documentário sobre uma personalidade musical (e não só), facilmente se recorre à modelização narrativa numa alternância entre testemunhos / imagens de arquivo e vice-versa. Com “20,000 Days on Earth”, tal matriz seria desrespeitosa e automaticamente transformada numa oportunidade desperdiçada face a um homem tão curioso como Nick Cave, o líder dos Nick Cave and Bad Seeds, que no cinema ficou célebre como o autor do argumento de um dos mais envolventes filmes australianos dos últimos anos (“The Proposition”, de John Hillcoat).

Nesta obra que celebra a criatividade e a multifacetada forma do documentário, a dupla Ian Forsyth e Jane Pollard acompanham um Nick Cave autónomo e autodidático, um poeta ilusionista que profere vulgares “ordinarices” e que descaradamente transformas-as em prosa graças à sua voz reconfortante e sapiência. Mas acima de tudo, em “20,000 Days on Earth” o artista em questão revela-nos e convida-nos a entrar no seu íntimo, ao mesmo tempo que o oculta do espectador. Invocando palavras soltas sob a atmosfera boémia e confortante da noite, Cave demonstra os “pequenos prazeres da vida” num pleno egocentrismo, daqueles que se assumem como Deus sob uma quinta das formigas. Diria antes que Nick Cave funciona como a perfeita anarquia e, contraditoriamente, no alicerce para toda a execução deste documentário em constante moldagem.

Poesia visual é o registo acentuado numa alegoria que prova que é possível materializar um documentário de cariz musical sem o uso do academismo. Depois disto tudo, é Nick Cave, a figura central e o ator de um palco imenso, o único capaz de transformar o interior de um automóvel num confessionário e na televisão, não como um gesto de banalização e de sedentarismo, mas numa vontade de aproximação familiar.

Tudo é possível neste relato que tornará os mais ávidos fãs hipnotizados pela aura desta personagem dentro de uma personagem. Quanto aqueles que nunca ouviram falar de Nick Cave, a vontade insaciável de conhecer o homem por trás de “Push the Sky Away” nascerá após o último crédito. De distinto requinte.

A Lã e a Neve: a congeneridade entre cinema e o teatro!

Hugo Gomes, 14.11.14

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A Lã e a Neve são gémeos estéticos, ambos brancos, mas as diferenças são muitas, mais do que aquelas que estão a mercê dos nossos olhos. A temperatura, a textura e a transformação (enquanto que um é já transformado, o outro está por vias de transformar), a essência destes dois elementos transmitem a natureza dos gémeos, seres fotocopiados de espíritos em plena descoincidência. A Lã e a Neve, tendo de forma intacta essa mesma definição, é também um espectáculo coreografado por Madalena Victorino, um teatro experimental ditado pelo improviso que a coreografa deseja chegar aos palcos, porém, no cinema é cosido sob a tela pelas mãos de João Vladmiro (Lacrau). Trata-se de uma obra encomendada sobre o processo criativo deste mesmo espectáculo, a sua conceção até à chegada ao público.

A Lã e a Neve nunca esconde o seu registo de encomenda, a automatização deste processo e a câmara sem personalidade nem química para com as imagens, quase alusivo à longa batalha de Victorino em criar relações de confiança e simbiose entre o seu leque de atores, que não se escondem do ridículo das suas performances frente ao "testemunho". “Ridículo”, esse, que poderá ser julgado pelo espectador e influenciando a sua opinião acerca desta obra filmada. Todavia e mesmo sem este julgado intolerante da diversidade artística, A Lã e a Neve [o filme] não revela nenhum novo autor como havia sido proclamado em Lacrau, ao invés disso presenciamos alguém que ousa em desafiar o academismo (e ainda bem!) mas que não encontra a sua identidade.

João Vladmiro demonstra-se amorfo, mas esforçado em construir uma coerência a esta "epopeia" artística. Faltava-lhe visão e uma incisão mais profunda na condição de ator e da sua relação com o espaço coletivo. Curiosamente, o filme e a peça filmada funcionam sob a temática da Lã e a Neve, gémeos idênticos, mas de diferentes inerências.

Brian Yuzna sobre "The Society": "A paranóia não é conspiração, tu não vês quem tem o poder"

Hugo Gomes, 05.11.14

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Brian Yuzna

Brian Yuzna esteve em Portugal para ser fruto de homenagem na 8ª edição do MOTELx, Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, por coincidência numa altura em que o seu filme ”The Society” comemora 25 anos. Juntamente com o jornalista Paulo Portugal, conversei com o homem por detrás de um dos mais bizarros e fascinantes filmes de terror do final dos anos 80 e da produção de inúmeras outras obras que tanto arrepiaram e assustaram os amantes do género em geral.

O Brian já esteve em Portugal, certo?

Sim, vim ao Fantasporto três vezes. Duas durante os anos 90 e uma por volta de 2003… Mas a Lisboa nunca tinha vindo.

Sim, o Fantas’ é um clássico no género.

Eu gosto deste festival. Tem uma boa audiência. E está bem organizado.

E recebe aqui a homenagem dos 25 anos de “The Society”…

É verdade. Fico contente por alguém se interessar.

Ao olhar para trás, consegue traçar algum paralelo entre este filme e os seus trabalhos mais recentes como produtor?

Acho que conseguimos sempre ver alguma coisa. Os filmes são um produto da situação, quem financia, se somos o realizador, quem produz. É uma espécie de grupo. Acho que é possível, mas não necessariamente. Tem de existir um instigador. Normalmente, o realizador. Em “The Society” eu era realizador pela primeira vez e tinha ainda pouca experiência. Como sabe, nunca tive qualquer tipo de formação. Era apenas um apaixonado pelo cinema. Aliás, nessa altura toda a gente era. E só comecei a fazer filmes quando já tinha dois filhos.

No seu entender, o que acha que o género do horror tem que continua a cativar geração atrás de geração a este culto?

Essa é uma boa pergunta. Posso não saber a resposta, mas conheço o fenómeno. Eu acho que o género do horror se aproxima mais aos sonhos. É mais fantástico e eu gosto disso. Gosto de filmes sintéticos. Quando pensamos na História do Cinema, pensamos nos dois caminhos: Meliès e Lumière. Meliès, mais sintético e sonhador, Lumière, mais realista. No meu caso, sou um entusiasta do surrealismo na arte, gosto do dadaísmo, gosto do expressionismo. Gosto de um filme que expresse o que sentimos e não o que é. Quero ver a loucura no set.

Mas porque as pessoas regressam a eles, não sei. Acho que quem gosta do terror é porque ficou infectado. É como uma droga forte. Primeiro, não conseguimos suportar e temos a sensação de náusea. O sentimento de horror é muito forte. Lembro-me quando era criança e vi um filme de terror fiquei doente.

Lembra-se de que filme era?

Sim, lembro-me. Era um filme estúpido com uma criatura chamada “Atom Brain”.

E que idade tinha na altura?

Deveria ter uns seis ou sete anos, ou talvez mais. Mas à medida que fui crescendo comecei a interessar-me pelos filmes do William Castle. É claro que à medida que vamos crescendo e entramos na puberdade começamos a interessar-nos por sexo e outros impulsos e por isso ficamos diferentes. Talvez por isso, o terror seja muito popular nos adolescentes pois eles compreendem de imediato o seu significado.

Mas quando ficamos mais velhos passamos a preocupar-nos com as contas, a família, com os problemas normais da vida e não pensamos tanto nisso. É claro que há exceções, como eu, que fiz do horror a minha profissão. Mas hoje as novas gerações acham que o “Saw” é o expoente máximo do horror, sem conhecer os clássicos dos anos 50, 40, 30 e mesmo antes. Não conhecem o contexto do género.

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"Re-Animator" (1985)

Como responderia à questão “qual o seu filme de terror favorito“?

Não sei como responder. Alguns afetaram-me mais do que outros. Na minha idade moderna, como costumo dizer, será a partir de “Night of the Living Dead”. A primeira vez que o vi fiquei nauseado, afetou-me mesmo. Mas é claro que há outros, como o “Psycho”, apesar de não ser um filme de género típico. Mas veja o que fizeram com as imitações do Romero Hoje não há filmes de zombies decentes. Mas temos também o “Texas Chainsaw Massacre”, que vi recentemente na sua versão restaurada.

Há outros clássicos, como “The Exorcist”, um filme muito importante, ou o “Rosemary 's Baby”, o “Shining”. Mas os que mais me afetaram e adoro são “The House on Haunted Hill” (filme de William Castle, de 1959) e os filmes antigos do Corman, obras que foram muito importantes para mim. Quando entrei numa idade mais moderna acho que há menos filmes que me afetaram. Confesso que me aborrecem um pouco. Antes vivia cada momento; hoje consigo perceber o final do filme logo no início. Uma exceção foi “Cabin in the Woods”, talvez porque seja uma comédia. Gosto do Freddie [“A Nightmare on Elm Street”, claro, porque é surreal. Tal como o “Halloween”. Eu gosto de coisas estranhas.

Como define a sua cooperação com Stuart Gordon?

Bem, eu comecei com Stuart e aprendi bastante ao vê-lo trabalhar como realizador. Aliás, os três primeiros filmes que produzi eram da sua autoria. Sempre trabalhamos bem juntos, como pessoas, como amigos. Stuart costumava dizer que a nossa colaboração despertava de certa maneira o pior de nós, visto sermos muito diferentes em relação às nossas ideias. Por isso, tudo o que aprendi na área da produção foi graças a essa colaboração. Sem ela não teria nascido “Re-Animator”, “From Beyond”, “Dolls” nem “Dagon”, que surgiu anos mais tarde. Depois seguiu-se o meu trabalho de realização, “The Dentist”, que contou com a cooperação de Stuart Gordon no argumento, frutos da minha anterior contribuição no seu trabalho.

O filme “The Society” foi lançado nos EUA três anos depois do seu lançamento na Europa. Como explica esse impasse nos cinemas norte-americanos?

Devido à maneira como foi financiado. “The Society”, tal como “Re-Animator”, foi financiado pela Wild Street Pictures, companhia gerida por Paul White, que era um britânico com negócios no Japão. Por isso foi o dinheiro japonês que financiou “Re-Animator”. No entretanto havia outra empresa chamada Medusa, também ela no Reino Unido, e como Paul era britânico, o filme saiu-se bem no mercado inglês e, francamente, isso foi algo fantástico. Ele também chegou a estrear na Espanha e percorreu com êxito outros países da Europa e do mundo até, por fim chegar, com alguma demora, aos EUA – onde obteve péssimas críticas. Lembro-me principalmente de uma crítica na Variety, em particular.

Essa má recepção nos EUA foi devido ao facto de “The Society” ser uma sátira?

Para mim “The Society” não é uma sátira, nem sequer horror de género, e sim uma ironia. Também gosto de pensar que é um, como costumo apelidar, “psychofiction“, ou seja, peguei numa neurose e tornei-o real. E diverti-me a fazer isso.

De onde surgiu a ideia de “The Society”?

Quanto à origem, é quase como uma biografia de Woody Keith, que é um dos co-argumentistas. Woody Keith era de uma família de posses em Beverly Hills e ele sentia-se paranóico com esse tipo de pessoas (bem, quase com todo o tipo de pessoas), dizia que os ricos ou a sua família eram doentes. Ele escreveu o argumento, mostrou-me e eu gostei.

No original o segredo era um sacrifício de sangue, mas foi alterado devido ao meu gosto pelo fantástico e por isso tentei criar uma mitologia da paranóia. Como estive na faculdade tive acesso a todas aquelas contra-culturas e jovens políticos, era quase uma grande festa, havia lá toda uma ideia de “class explotation“. Depois temos o fator de que vários jovens sintam que foram adotados. É estranho viver com uma família o qual sentimos não nos pertencer e vice-versa. Quis que isso fizesse parte da história, uma “true story“. Por vezes a ficção consegue ser mais real que os factos.

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The Society (1989)

Então, o alvo de “The Society” são os ricos?

Tu ganhas a lotaria, e pensas que tornarás poderoso porque ganhaste por fim muito dinheiro, mas não! O poder já vem de família, do sangue que corre nas veias. Gostamos de pensar que os poderosos são celebridades como a Rihanna, mas não, os poderosos não dão a cara, nem sequer os conhecemos. E só representa 1% da população, mas são eles, os ricos, que usam os outros, dominam-os.

A paranóia não é conspiração, tu não vês quem tem o poder. O alvo de “The Society” é a sociedade, não são exclusivamente os ricos nem sequer as classes. Mas lembrem-se, no final Billy vence. Ele vence os seus fantasmas, os seus medos, esmurra o seu “pai”, depois foge e ninguém o persegue. Entenderam, ninguém vai atrás dele, afinal, por que perseguir? Os ricos exploram-nos, entendem? (risos)

Apesar do conceito, “The Society” é um filme sério, é isso?

Ou seja, “The Society” lida com inúmeros elementos, ao mesmo tempo que tem a base de vários filmes de terror. Quis tentar divertir-me com isso, parecendo um daqueles casos em que uma nave espacial traz algo de mau do espaço. Contudo, nunca tive intenção de fazer Society um filme sério, nem sequer de alcançar a posição de um artista. Quis fazer um tipo de horror com este tipo de material bom. Foi quase como fazer “The Exorcist” (sim, é mais sério que “The Society”), o quão divertido é de ver aquela rapariga a ser possuída, isso é que é um filme de género. Por isso nos divertimos com o exploitation, fizemos de A Sociedade uma espécie nova.

O Brian tem medo de dentistas?

Fiquei com mais medo dos dentistas depois de fazer “The Dentist” [risos]. As pessoas acreditam que quando fazemos filmes sobre os nossos medos, deixamos de os ter, mas quando fiz “The Dentist” fiquei completamente horrorizado. Comecei a imaginar, a perceber, como tudo aquilo funciona. Sim, isso é que é horror.